Fechada para balançar

“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.”

 João Guimarães Rosa

Hoje estou nada. Sabe nada? Plain. Omelete plain, ou seja, só o ovo mesmo. Nenhuma ideia, nenhuma emoção, nem boa nem triste. Parece que estou dopada. Meu ser se recusa a sair do modo hibernação. Coisa esquisita. Como se não fosse mais formada de peptídeos. Minhas biomoléculas não ligam para nada. Estão a fim de nada fazer, de não promover conexões, de: não. E olha que eu dormi bem, até sonhei. Não tomei nadinha. Deve ser isso. Crise de abstinência provoca oco. 

NONADA. Não-mãe, não-mulher, não-cérebro, não overqualified atendente de makerting social aos afogados da Justiça. Não aguento mais essas mil análises oportunistas sobre os protestos brasilis. Todo mundo tem uma tese para apresentar. E se não houver nada “por trás”? Mas que mania de explicação enjoada! E se for só vontade de sair pra a rua para se sentir vivo? O nada pode ser reivindicante também. Não queremos nada além de causar algum frisson. 

Mas se a gente não fala do assunto é uma nada mesmo. Uma cabeça vazia, desarticulada. É preciso tomar algum partido. E que ele seja do lado dos manifestantes, caso contrário, você vai ver onde o seu nada vai parar. Eu acho tudo bacana, essa vontade de sair por aí levantando faixas. É bom. Pronto. Não quero mais ler, ouvir ou afirmar A ou B. Todos os autênticos jornalistas e comentaristas já o fizeram por mim. Enough. 

Agora eu sou em vão. Formiga que faz todo-dia-tudo-sempre-igual porque sua tataravó formiga fazia exatamente as mesmas coisas. Genes. Não, acho que ser animal ainda dá muito trabalho. Mais leve ser gramínea. Verdinha, azedinha, arbusto, praga, trevinho de quatro folhas - que na verdade tem três. 

Acho que a galera levou a sério a campanha da Fiat. “Vem pra rua porque a rua é a maior arquibancada do Brasil”. É boa demais, na voz do Falcão do Rappa. Tenho vontade de pular da janela do 3º andar e me pirulitar de guerrilheira. Porém, hoje, nem esse jingle emotivo me tira do stand by. É tranquilizador não ter nenhuma ideologia no momento. Nada por que lutar. Transmudada em samambaia de plástico eu vou passar a segunda. Talvez até a semana. 

Porque ontem eu ganhei uma batalha que era questão de honra para mim. Consegui fazer os meninos desistirem de assistir a mais um episódio de Naruto, para conferir o primeiro episódio de Africa (que eu revi com olhos transbordantes de um nada glorificado). Eles protestaram horrores, mas começaram a ver. E assim que começaram, embevecidos ficaram. Meu coração sorriu. 

Depois disso, entrei nesse modo nadica de nada. Estado maior de Manoel de Barros e Adélia Prado. De quem tem olhos apenas para o que não interessa, para o desserviço ou para as corujas. Militância para quê?  Debate, combate, só se for de chocolate.

Não me apraz ser parte do estúpido espírito de rebanho do bisão, que entra em pânico diante da inteligente matilha de lobos. Um bisão, ao invés de partir para cima dos lobos que já estão atacando o coitado do semelhante (e você pensa que ele vai fazer isso), passa por cima do outro bisão como se ele fosse um chiuaua. Chocante! (Qualquer semelhança com a nossa PM não é mera coincidência). 

Não vou bater de frente. Não vou fincar estaca, marcar território. Tanta opinião deixa a pessoa sem tesão. Bandeira branca dá um alívio, gente!