Fantasia Armorial


"Sem a música, a vida seria um erro."
Nietzche




Poucas criações humanas são tão enigmáticas e magnéticas quanto os instrumentos musicais. Delicadezas que irradiam o que a espécie sabe produzir de mais perfeito: a música. Num golpe de sorte, fisguei um recital de guitarra portuguesa perdido na programação, arrastando o marido, em plena segundona, para ouvir o dedilhar mágico de Pedro Caldeira Cabral. 

Zás trás, já não estava no Teatro da Caixa Cultural, mas, sim, na casa da amiga Lara, brincando de antigamente. O som da corte medieval me transportou aos nobres castelos da fria Europa, onde as meninas, com tecidos de cortina, faziam seus vestidos de princesa. 

Pirlimpimpim e agora viajava no céu, singrando nuvens fora do avião, que dele não gosto de jeito nenhum. Alcancei transe meditativo, enquanto as cordas - bem tratadas pelas mãos talentosas - relaxavam todos os músculos, principalmente aquele mais sentimental: o coração. 

Abracadabra e era, de novo, a garotinha fascinada pela irmã mais velha (que não estava nem aí para ela). A irmã mais velha encantada tocava clarinete. E se ela saísse do quarto distraída, sem trancar as portas que guardavam tesouros, a garotinha corria para encontrar a caixa de joia preta. Abri-la e ouvir o som aveludado de desvendar mistérios fazia pipocar estrelinhas nos olhos. 

No centro almofadado jazia o instrumento instigante. Tantos botões, que sem o sopro preciso, emitem apenas um oco surdo, eram um convite ao deleite. Acoplada em partes como um foguete (não por acaso, outra das invenções humanoides extasiantes) se exibia o clarinete negro e metálico. 

A palheta de bambu na expectativa da boca. Viagem além da Via Láctea, vastidão inexplorada. Encostava os dedinhos afoitos e indecisos naquele objeto do desejo. Os pelos dos bracinhos finos se punham de pé. Transgressão. 

De lá para cá, o fetiche ficou. Instrumentos me purpurinam. Passear pela orquestra ainda em silêncio, os fascinantes suavemente pousados no chão. Falsamente inertes à espera do toque. Tudo que combina com as mãos me desconserta: massagens, anéis, nós, cordas de aço ou de crina de cavalo (não à toa, o animal mais deslumbrante). A turma de cordas e metais reluzindo para atrair as falanges que lhe trarão gemidos agudos, graves, longos... Curtos. Afoitos allegros, adágios... Tensão: tesão. 

E retorno para a sala de teatro vidrada no formato abaulado da guitarra portuguesa, mistura de cítara e violão, cavaquinho e viola. Tão perfeito instrumento esculpido por algum dedicado luthier. Divago um sequestro que traria aquela obra-prima para perto de mim, só de mim e mais ninguém. 


Para ouvir e amar:




Comentários

  1. Oi Luciana, tudo bem?

    Gostei do texto. Até tentei comentar no blog, mas aqui no MPDFT tudo é bloqueado.

    Sorry!

    LARA MARIA ALBUQUERQUE E SILVA

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  2. Ah que belo texto Lu! Emocionante como vc descreve a magia dos intrumentos,quanto mais quando são tocados...amo instrumentos...amo a música!"Como é bom poder tocar um instrumento".
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  3. O impressionante da música é que ela atinge a gente sem escapatória. Muda nosso estado de humor em questão de segundos.
    Mesmo o mais distraído ou inconsciente se anima ou esmorece, tudo ao talante do artista.

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