Raízes do meu samba


Nas ruas de Olinda deixei meu coração
Cinzas... Não gosto da cor cinza, nem de bege e outras tonalidades "neutras", só se for branco ou preto totais. Esse gostar fala muito sobre minha natureza passional. Neutralidade não é comigo. Deve ser por isso que eu gosto de Carnaval. Porque é explosivo, visceral e colorido. Reza a lenda que meu pai deixou mamãe na maternidade (nasci num sábado de Momo) e foi para a matinê brincar com os outros cinco filhos. 

Mas, por incrível que pareça, nenhum dos meus irmãos tomou gosto pela coisa além de mim, que não convivi com o homem que se amarrava nas cantorias e danças populares. Eu credito esse amor ao Carnaval por causa da devoção que eu tenho pelo balé. Dançar é transcender absolutamente. Também tem dedo da minha madrinha nessa história. Capixaba criada no Rio, era torcedora incondicional da Império Serrano.

Todos os anos da infância acompanhava os desfiles ao lado dela, pela TV tão sem graça daqueles tempos. Dindinha só se vestia de verde. Fazia sentido torcer pela Império e seu pavilhão verdejante. Nesse carnaval, eu vi a rabeira da Escola da minha madrinha numa reportagem. Foi o bastante para relembrar as dezenas de férias que passei nos subúrbios do Rio.

Depois, a União da Ilha homenageou Vinícius de Moraes e eu resgatei uma memória perdida: meus banhos de mar na Baía da Guanabara (que já naqueles idos deveria ser bastante poluída). Dindinha tinha uma amiga que morava na Ilha do Governador. Era um sobrado, só o que recordo. E da praia sem onda e sem bossa (que me perdoe o Poetinha, ilustre nativo de lá). Porém, para a caipira da nova capital, qualquer marzinho já significava muito. 

Alma ardente, frevente...
Era sempre assim nas férias cariocas com Dindinha: imersão na zona norte do Rio. Jandyra tinha uma penca de irmãos com nomes esquisitos: Radagázio, Lizette, Iná, Theosofia (juro!!!), Nabor, Antônio (para salvar a Pátria) e por aí vai... Uns moravam em Ramos, outros em Lins Vasconcelos. Resultado: duas horas no ônibus para chegar à praia de Copacabana.

Minha madrinha não entrava no mar e tampouco colocava maiô. Todavia, fazia questão de me levar. Hoje entendo que tamanho amor era esse... Devia ser martirizante ficar ali plantada na areia derretendo ao sol de janeiro...

No Rio, vi um "tá lá o corpo estendido no chão" pela primeira e última vez, espero. No Rio, pulei num bloco de rua pela primeira, de centenas de vezes, espero. Na minha infância, a "tia" Theosofia, que ainda vive e tem o apelido de Zozota (juro!!), morava num conjunto habitacional próximo à rua Marquês de Sapucaí. Vi muito carro alegórico chegando e saindo, saldos da folia espalhados pelo chão a incendiar minhas alegrias.

No Rio, peguei conjuntivite pela primeira vez na grande epidemia de sei lá que ano e vi um termômetro marcar 36º às 7h30 da manhã. No Rio, compreendi o que significava uma vila. No Rio, fui muito zoada por ser brasiliense. No Rio, aprendi a amar "camarão ensopadinho com chuchu". No Rio, me perdi em São Cristóvão e tive medo de perguntar ao policial e dar a maior bandeira de turista otária.

Então, é por essas e outras que amo Carnaval. Pai boêmio, férias escolares cariocas, alma frevente, imaginação fantasiosa... Um caldeirão de essências que faz de mim uma foliã devotada. Ainda bem que Brasília agora já não me deixa mais de olho comprido para as bandas de lá. Bloco da Tesourinha: ano que vem tem mais!




Comentários

  1. Lú, você sabe que nunca dou por certas as lendas que o povo conta. Por isso, fui checar o Carnaval em 1971. E não é que foi no seu nascimento mesmo? Só você deu ao mundo a graça da sua presença em um domingo e não no sábado. Mas querer tanta precisão de uma lenda já seria demais, não?

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    1. Digníssimo marido que me surpreende com um comentário no blog!

      Talvez a lenda realmente proceda. Afinal, tradicionalmente, as matinês ocorrem no domingo e terça de Carnaval. Nasci no domingo? Por isso sou tão preguiçosa!!! KKK!!

      Beijos,

      Lulupisces.

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  2. Luzinha, não tenho o seu pedigree todo pra carnaval, mas tb gosto muito de dançar e brincar. E se for com uma turma de amigos, muito melhor. Então é por isso que tenho achado o carnaval de Brasília cada vez melhor, quase um resgate das turmas de quadra nas quais fui criada. Esse negócio de tomar as ruas, sentar debaixo de bloco, retomar as calçadas e gramados me lembra coisas que fiz demais quando moleca.
    Adorei cair na muvuca do Galinho com as meninas, "sambar" no pré-carnaval do Semente da Vila, inverter papéis nos blocos das Perseguidas e Babydoll de Nylon, curtir um clima bem tchurma e família no Tesourinhas. Havia as meninas, os amigos da Luli, Wainer, Keynes, você, Lou e tanta gente conhecida de outros carnavais... Não tinha como não ser tudo de bom. Que venham outros! bjitos
    ps1 adorei essa foto do rio caudaloso... tudo a ver contigo.
    ps2 em que dia do mês caiu mesmo esse domingo de Momo em que vc nasceu? Tá chegando, né? ;)

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  3. Ai Lu, no meu caso, entediada antes, durante e depois do carnaval... Essa peregrinação por concurso está sendo muito cansativa!

    Adorei suas fotos de carnaval!!

    Bjos,
    Rogelma

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  4. Lú querida,

    a cada crônica sua faço uma viagem...ora no tempo, ora dentro de mim...sempre encontro semelhanças...pois é meus pais se conheceram em um carnaval...conheci o Romeu no mesmo clube e no Carnaval...minha primeira aventura no carnaval carioca que era a paixão da dupla genitora, foi por volta dos meus 11 anos, foi o primeiro de muitos... Império Serrano foi a campeã...ainda esse ano comentei aqui que sentia falta dela no grupo especial...papai era mangueirense fanático...adoro carnaval também, cresci escutando as marchinhas...vovó Elódia me fazia dormir cantando ô jardineira por que estás tão tristes...como é bom ter boas recordações da vida. bjs ah você nasceu em dia 21 de fevereiro certo???dia que conheci o Romeu...

    Beijos,

    Renata.

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    1. Puxa, querida Renata Guedes Assumpção Queiroz,

      quantas coincidências!!! Que legal!!! São as tais conexões telúricas... Eu falo sobre isso em algum texto do blog. Sabe que eu também canto Jardineira para os meninos na hora de dormir? Rola ainda "A estrela d'alva no céu desponta e a lua anda tonta com tamanho esplendor..." Adorei suas memórias compartilhadas!!! Viu como 21 é um número de sorte? Beijos!!!

      Lulupisces.

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  5. Luciana,

    Delicioso seu texto sobre o Carnaval! Eu esse ano me realizei com as 2 baterias da Mangueira e o bloco da praia com homens na bateria vestidos de mulher e peruca rosa choque...

    Beijos,

    Elisabeth Ratz.

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  6. Oi aMáda Beths, obrigada! Que bom que gostou!!

    É, as duas baterias da Mangueira foram deslumbrantes!!! Arrepiou total!! Você precisava mesmo ter vindo para o Carnaval brasiliense. Iria adorar o Bloco da Tesourinha com os meninos. Super alegre, colorido, família, paz e amor!! E a banda de pífanos é deliciosa!! Venha! Venha!!

    Beijos!!

    Lulupisces.

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  7. Luciana,

    adorei o texto! Lembrei-me dos meus carnavais no Rio, também na Zona Norte, com a família toda torcendo pela Mocidade... Ao contrário de vc, hj não curto carnaval...

    Bjs,

    Ana Claudia.

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  8. Que delícia de texto Lú...amo carnaval mas o Marcelo não curte...meus meninos nunca foram em uma matinê...sempre pra fazenda...esse ano assisti o carnaval do Rio com eles pela TV, quando fomos dormir o silêncio deixou eu escutar umas marchinhas de algum clube perto....fui dormir com o coração apertadinho de vontade de estar lá pulando...estou tentado animar uma turma de amigos pra curtir a Sapucaí ...que sabe consigo...a esperança é a última que morre né....bjks.

    Marina

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  9. Delícia de texto! Adorei, amiga! E imaginei suas viagens ao Rio com a Dindinha... Lembrei de uma viagem para lá com meus irmãos e minha avó, que chegou mocinha no Rio, para morar na Praça Mauá. E depois de casada, morou em bairros da Zona Norte onde, anos depois, voltou com seus filhos-netos, para um carnaval na casa dos cunhados em Campo Grande 40 graus!!
    Beijos e boa semana. Mônica

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  10. Luzinha, vc não torcia para a Beija-flor? Era a Beija-flor mesmo? Lembro disso! rs

    Bjs
    Patty

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    1. Que heresia!! Jamais!!! Eu sempre tive uma queda pela Portela, pois adoro azul. E aquele samba-enredo "hoje tem marmelada" foi mesmo inesquecível!! Marcou a minha infância. Sem contar que Paulinho da Viola é portelense. Clara Nunes também.

      Dindinha era Império Serrano e eu Portela. Beija-Flor, nunca! Apesar de ter me amarrado no Cristo coberto do genial Joãozinho Trinta.

      Beijocas,

      Lulupisces.

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    2. Desculpe a heresia! rs. É que sou uma nulidade em assuntos carnavalísticos. Não assisto desfiles pela tv tem mais de dez anos...rs. Não sei nadica de nada. Não lembro nem as cores das escolas...

      Mas eu lembro que era azul a sua preferida! Disso lembro!
      Bjs
      Patty

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