Frígidas e impotentes




Por preconceito escancarado eu nunca ouvi funk de favela. Esse dos tais bailes que reúnem garotada do morro e do asfalto em noitadas questionáveis. Não, nunca me dei ao trabalho. Não sou como Caetano Veloso, adepta do “tudo é divino, maravilhoso”. E nem acho que ele também curta funk de favela ao ponto de fazer algo parecido em seus discos. Se o filho de Dona Canô (uma pérola de delicadeza) se rendesse à pobreza melódica e poética do bonde do tigrão, a gente poderia mesmo fechar as portas artísticas do Brasil e jogar a chave na Fossa das Marianas. 

Mas eis que na sexta-feira passada meus ouvidos estarrecidos foram obrigados a conhecer o tal funk de favela. Não sei se existe essa denominação, classificação. Ou se estou apenas exacerbando o preconceito que já se afirmou como escancarado. É que eu quero falar (mal) dessas chamadas músicas que tratam as mulheres como vagabundas, os homens como traficantes e a sociedade como um grande bordel. 

Era o aniversário de 12 anos de uma das minhas sobrinhas. E a ordem para o DJ era tocar apenas o que a aniversariante gostasse, ou seja, esse resíduo tóxico, lixo atômico, merla e merda. E que não venham os militantes da relatividade dizer que esta é uma legítima manifestação da cultura de periferia. Não se trata  de nada disso. Funk de favela nada mais é do que um manifesto à estupidez e vulgaridade humanas de qualquer lugar. 

Palavras ocas encaixadas em um ritmo vazio, sampleado à exaustão. Cópia barata que não emprega uma banda com instrumentistas de verdade e nem um cantor. Dá dinheiro apenas ao idiota que pensa que tem o dom da música ao berrar seus não-versos entre as colagens estéreis que se repetem Ad infinitum. 

Minha sobrinha e suas amigas vestidas como prostitutas. Microssaia de um palmo de comprimento, maquiagem carregada, saltinho. Danças agressivas, explicitamente sexuais, não sensuais. O funk de favela não tem nada a acrescentar, só a retirar. Extingue a dignidade das relações afetivas, enaltecendo o chifre, a transa desvairada, a lei de Gerson (que já deveria ter sido banida para todo o sempre), a malícia e marginalidade pura e simples. O sexo é corrompido. Mercadoria suja e tosca. Bestialidade em forma de canção (canção????). 

O problema de trivializar a vida bandida é o de mostrar para essa moçada que ética, amor, lealdade, honra, amizade, confiança e outras coisinhas básicas da vida em sociedade são apenas uma questão de retórica, ou pior, de ficção. Os pais – incluindo meu irmão e minha cunhada – parecem estar alheios à gravidade do tema. Drogas não, mas funk de favela, o que é que tem? 

Tem gravidez na adolescência e promiscuidade. Tem falta de amor próprio e de responsabilidade. Meu corpo é meu esgoto e nele eu jogo o que eu quiser. Ninguém é de ninguém. Eu não estou nem aí. Eu não acredito em nada além do sexo frívolo e dos amigos de ocasião. 

Meus filhos dançaram essa coisa. Eu dancei essa coisa numa tentativa de não parecer tão ranzinza. Mas depois da quinta inserção de nada para o lugar nenhum, perdi o tesão. Taí: periga o funk de favela fazer nascer uma nova geração de frígidas e impotentes. Afinal, reduzir a relação afetiva e sexual ao nível da brutalidade não faz ninguém feliz na cama. 



Comentários

  1. Acabo de ler o artigo acima e concordo com você em tudo! Nunca escutei esse negócio que alguns insistem em dizer que é música!! Rrsrs

    Olha, me considero uma democrata, mas aqui em casa nunca deixei que isso fosse ouvido... Sempre tomei conta do guarda roupa da Nana, até hoje dou palpites... Sempre falei que ela tinha que ouvir coisas que valorizavam a mulher... Que foi uma luta árdua pra chegarmos aqui e nos tornarmos mero objetos... Ela detesta o tal Funk.
    Não é porque todo mundo usa ou gosta que você tem que ser igual. Preguei e prego isso até hoje...
    Ah, prima, depois de tudo que te falei tô achando que não sou tão democrata não... Mas viva a música popular brasileira! Detalhe: tive que aprender a escutar alguns sertanejos alguns....

    Abraços,

    Renata.

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  2. Luciana,
    de fato, baile Funk é algo bem próximo de lixo.

    O maior problema, é que as pessoas ali não percebem isso. A visão de mundo é, completamente, outra.

    Um beijo,
    Paulo.

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  3. Eu concordo: a letra (!) é uma apologia à violência, ao desrespeito ao próprio corpo, à leviandade. É um retrato do que ocorre onde não existe respeito nem autorrespeito (ui, essa nova ortografia). Muito triste, eu acho. Na festa dos 15 anos da minha sobrinha eu decretei (assim achava eu): funk não. Lá pelas tantas, os amigos dela pressionaram: cadê o funk? Fui vencida, tocou. Continuo sendo contra, não acho que música seja algo descompromissado, mas vai que eu sou radical. Pelo menos sobrevivemos ao funk: ela não ouve, não dança e não gosta. Foi só por um segundo (tenebroso). Beijos.
    Má.

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  4. Aqui em casa mora um músico (É, um músico, que privilégio!), que educou o ouvido da Bruna para música de verdade. Graças a ele (e a mim, claro, mas é ele quem mais a apresenta a esse mundo musical), ela adquiriu bom gosto!

    Bjs
    Patty

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  5. Taí... Com este texto eu concordo 100%. E falando no visual promísculo que ganhou as ruas... Qual a diferença entre aqueles travestis que se prostituem no CONIC e as moçoilas que passeiam pelo shopping com aqueles sapatos ridículos que devem pesar um absurdo?

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  6. Quanto exagero, Lu! Musica funk eh Da hora... abaixo duas versoes da magnifica e inspiradora "Eu vou pra cachorrada, eu vou trair minha namorada". E pra comprovar que funk tb eh cultura da melhor qualidade, no comecinho do segundo link ha um exemplo fantastico de apropriacao das Bachianas Brasileiras de Villa Lobos... confira: :p

    http://www.youtube.com/watch?v=fKy2qNie1VU

    http://www.youtube.com/watch?v=0AdsYJJ273M

    bjitos Isa

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  7. Disse tudo Lu,pra mim essa coisa é lixo!
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  8. Não dou conta também... E olha que me acho bastante eclética, viu. Mas não dá. beijos, Débora

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  9. Sempre digo para os meus amigos, pode me chamar de careta, mas funk não desce!

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  10. Sempre digo para os meus amigos, pode me chamar de careta, mas funk não desce!

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