Mutante X


“O ofício de escrever é solitário, e não é todo escritor que consegue transmitir, falando, as mesmas coisas que consegue pôr no papel”, afirmou André Barcinski, crítico da Folha de São Paulo, num balanço que escreveu sobre a Flip de Paraty. Não foi difícil me identificar com a constatação. Não porque me considere uma escritora no sentido pleno, mas porque realmente percebo que pareço ser duas pessoas. A de carne e osso, vacilante, em franco contraponto com a que escreve: desenvolta, pró-ativa. 

Engraçado que eu costumava ser completamente extrovertida e autoconfiante ao vivo e em cores. A escolhida para representar a classe e os papéis principais no teatro da escola. A reivindicadora contundente por excelência. Mas a partir do momento que fui me definindo como um ser que se expressa pela palavra escrita, meu lado líder sindical embotou. 

Sinto-me pulsante, vibrante, forte e decidida em cada frase que coloco no papel. Mas pessoalmente já não me garanto. Acho que não sou mais uma Brastemp, correndo o risco de desapontar quem lê os meus textos e espera que eu me apresente de forma articulada, sagaz e intelectual. Veja o quanto eu tenho minha produção em alta conta! A arrogância, apesar das mudanças estruturais, não me abandonou:). 

Outro dia eu consegui ver, enfim, aquele filme da Jodie Foster em que o Mel Gibson se expressa por meio do fantoche de um castor. O melhor dele está ali, naquele bichinho. Entendo a piração do cara. A Luciana mais inspirada e evoluída está neste blog. E a inteligência da diretora coloca o mesmo dilema no filho da personagem de Gibson, que em determinada cena responde: “I’m much better on paper”. 

Fiquei atordoada quando me dei conta de que é exatamente assim que eu me sinto. Tive vontade de mudar o nome do meu blog para “I’m much better on paper”. Tudo a ver. Revelação. É difícil admitir a minha mutação: gaguejante em público, precisa em prosa. Às vezes não me reconheço. E fico me culpando: pô, poderia ter dito isso e não aquilo; ter explicado assim e não assado. Ter demonstrado mais segurança, afinal fui eu quem escrevi essa campanha toda, porra! 

Mas lá está a minha persona, cada dia mais confortável com sua vida fora dos palcos, dos palanques, dos holofotes. Cada dia mais retraída em seus pensamentos e filmes, em sua contemplação. Mais lisérgica, lúdica e desconectada do ativismo corporal. Energética apenas em adjetivos, advérbios, onomatopeias, superlativos e reticências, das quais me apodero em verdadeiro abuso sexual da linguagem... 

Por isso os escritores bons de papo, nessa vibe da extroversão absoluta, acabam se tornando celebridades. Martha Medeiros, Fabrício Carpinejar... Porque eles são, na verdade, um tanto raros. A maior parte gosta mesmo é de ser deixada no seu canto para poder escrever e nada mais. Mas logo agora eu tinha de inventar essa mudança de comportamento? Eu sou mesmo do contra. Haja autossabotagem! 

Tenho um livro da Clarice Lispector que é o meu livro de cabeceira, ou mais sinceramente falando, é o meu livro de banheiro (mulher com marido e filhos pequenos acaba usando o banheiro como local de refúgio, vai por mim)! Nele, Clarice fala desse incômodo de aparecer, de estar em evidência, de se mostrar fora de seus textos. Clarice parecia reclusa e avessa ao glamour que lhe envolvia. Viveu num mundo de sublimação que devia ser muito difícil para quem convivia com ela, como os dois filhos e o então marido. 

Ai de mim de me comparar à Clarice, com a qual até tenho alguma semelhança física (uhuuu!), porém a cada hora que passa eu me transmuto neste tipo de personalidade à beira da inacessibilidade. Escrever é de fato um ofício solitário e eu venho gostando muito da minha solidão. É assustador e incompreendido. 

Então a gente escreve. Para ver se esse universo interior fica mais claro para a gente mesmo e para vocês...


Comentários

  1. Yes!!!Lindo!

    Bjs.,

    Biva.

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  2. Querida Lu...
    penso que o seu blog já está muito grande e realmente deveria virar um site...
    Quanto ao nome, hoje estou péssima para decisões importantes, sedimentar opiniões ou reinventar qualquer coisa...
    Portanto, aguardarei as cenas dos próximos capítulos em breve nas telonas... (ganhei um monitor novo... muito maior... ) meu mundo está 40% maior!
    Beijos e fofocas só amanhã... como diria o Simão...
    ahahahah que dia garfildiano... hate mondays... and tuesdays...: (((
    bjos
    analucia

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  3. Olá, Luciana.
    Voto contra a mudança do nome. Não encontrei no blog espaço para votar. Problema de usuário.
    Abs.
    jraimundo

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    Respostas
    1. Não, tio não é problema de usuário não. Era uma estratégia de marketing!!:)

      A ideia era só chamar a atenção para o texto... Fazer as pessoas entrarem para ler.

      O senhor vota contra por quê? Gotaria de saber a sua opinião.

      Beijos,

      Luciana.

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  4. Lu, muda não. Adoro lulupisces!!
    Bjok
    Monalisa.

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    Respostas
    1. Mona,

      mas o nome do blog não é lulupisces...

      Lulupisces é o meu nickname!!! :)

      Não mudaria esse nick por nada nesse mundo.

      E quanto à mudança do nome, era só uma estratégia de marketing, uma pegadinha para fazer as pessoas entrarem no blog...

      Beijocaspipocas,

      Lulupisces do blog "Caiu na rede é..."

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  5. Como vc vai mudar o nome do blog para "Much better on paper"? !
    Se ele todo é feito virtualmente?!
    Acho que vai ficar incoerente, não?
    Sei lá...

    Rodrigo.

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    Respostas
    1. Rodriguetes,

      a mudança do nome era só uma estratégia de marketing, uma pegadinha para fazer as pessoas entrarem no blog... Seria uma certa irônia, é verdade, mas traduziria o que eu penso de mim mesma.:)HEHEHE

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  6. Ainda bem (que era só estratégia de marketing).
    O nome atual é charmoso, cativante, atraente, sedutor, original (bem, o adjetivo você escolhe).
    Por que mudar?
    Francamente, Luciana.
    jraimundo

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  7. Quase que eu caio na pegadinha, pois embora não fosse a favor da troca, já que eu acho muito legal o Caiu na rede é...quando você falou em revelação...ah! eu já ia escrevendo, vai muda!!!Sabe como sou quando pinta qualquer toque interno, né?
    Ainda bem, que foi só uma pegadinha...você sempre nos surpreendendo .bj
    Namastê!
    Cynthia

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  8. Oi Luciana,

    Parece que ninguem entendeu o significado do seu texto... Eu peguei a essencia do que voce quiz dizer (yahhhh)

    Eu vejo em voce uma pessoa que se interioriza muito mais que os demais e eu acho que voce se cobra muito... faz parte da interiorizacao ne?

    Mais tem certas horinhas que a gente sente uma satisfacao pessoal que so quem se interioriza sabe!!!

    Beijos, Eve

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    Respostas
    1. Querida Eve,

      obrigada! Você pescou exatamente o que eu queria dizer!

      Beijão,

      Lulupisces.

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