Muito além da Esplanada

Escrevi essa matéria há 12 anos, de encomenda para uma revista cultural de São José dos Campos. A editora era uma apaixonada por Brasília e queria que as pessoas fossem "além" da bat imagem esteriotipada da TV.  Leiam e reflitam: a cidade ( e seus habitantes) mudaram ou não nessa década?

Muito além da Esplanada

Há alguns metros dos ministérios e do Congresso Nacional, Brasília prova que está longe de ser apenas a imagem de cartão-postal explorada pela mídia

Já na Rodoviária do Plano Piloto, localizada próxima à Esplanada dos Ministérios, é possível derrubar alguns dos mitos que cercam a capital do Brasil. “Em Brasília não existem pessoas nas ruas. A cidade é um deserto”. O vai e vem de gente subindo e descendo na plataforma rodoviária não deixa nada a dever ao movimento diário de passageiros de qualquer grande centro urbano. Uns correm, outros compram jornais, alguns vendem bilhetes da loteria federal. Crianças, adultos, jovens e velhos. Habitantes desta cidade tão brasileira, mas tão desconhecida do Brasil em seu modo de viver.

Ao contrário do que os meios de comunicação insistem em divulgar, Brasília é muito mais do que a Esplanada e seus escândalos políticos. Aqui nunca se “pegou o avião na quinta-feira porque não há nada para fazer nos finais de semana” – outro mito bastante difundido. Os brasileiros que vieram construir a capital, que foram ficando e transformando o lugar numa verdadeira cidade, também construíram uma sociedade com seus hábitos, suas rotinas e suas opções de lazer. Às vésperas de completar 40 anos, Brasília já gerou seus filhos. São eles que vivem a realidade desta capital. Uma realidade bem distante da enfocada pelas redes de tevê.

“Mãe, vou brincar embaixo do bloco”

Não estranhe se ouvir a expressão. Em Brasília ela é comum, até mesmo diária. E só em Brasília ela existe deste modo. Uma cidade única, com traçado urbanístico-arquitetônico exclusivo, tem direito a manias especiais. Brincar embaixo do bloco é uma delas, graças à idéia do urbanista Lúcio Costa, criador da proposta de construção de edifícios residenciais com pilotis, áreas de uso comum dos blocos. Assim, a criançada desce, “de elevador ou de escada”, para brincar no amplo espaço livre do térreo.

Mas se o condomínio proibir a brincadeira embaixo do bloco, não tem problema. As grandes áreas verdes das quadras residenciais oferecem espaço de sobra para qualquer tipo de lazer. Bola, bicicleta, pique-pega, polícia-e-ladrão, boneca. Em geral, as quadras têm um parque com balanço, escorregador, roda e caixa de areia. Existem também quadras de esporte onde a galera adolescente joga vôlei, peteca, futebol. Cachorros passeiam com seus donos e casais namoram nos banquinhos. As tardes de sábado e domingo lembram uma vila do interior.

Violão e sétima arte

Faz parte do rol da mitologia sobre Brasília esta história de que aqui não tem esquina, não tem praça, não tem ponto de encontro. Do modo tradicional, não se encontra praça nem esquina mesmo. Mas a capital é diferente de qualquer outra cidade do mundo. Portanto, suas praças e esquinas fogem da normalidade. Existem algumas pracinhas entre as quadras residenciais, como a da 708 e da 704 sul. Nesta, foi colocada a escultura em homenagem ao índio Galdino Jesus dos Santos, uma das páginas mais tristes da história candanga.

E há a mais famosa praça do Brasil, a Praça dos Três Poderes. Além dos grandes eventos cívicos que costumam ser comemorados por ali, o brasiliense adotou a praça para passeios noturnos. Alguns levam violão. Outros bebem vinho. Vai gente com turma, vai casal de namorado, vão os que querem pensar na vida. Nos dias de domingo, crianças alimentam os pombos e turistas tiram fotos. Sem dúvida, um ponto de encontro querido dos moradores daqui.

Mas nem só deste ar de interior vive a cidade. Brasília é a capital com mais salas de cinema por número de habitantes do Brasil. São tantas as opções que o brasiliense fez da sétima arte um dos programas prediletos da agenda cultural. Modernas salas de projeção instaladas nos shopping-centers e bons cineclubes se encarregam de satisfazer os “loucos por cinema”. As programações, tanto comerciais quanto alternativas, têm público cativo. Definitivamente, quem vive em Brasília acredita que “o cinema é a maior diversão”.

Que tal um cafezinho?

Cliente assíduo é o que também não falta aos cafés. A cidade está se tornando um lugar cada vez mais cosmopolita. E um bom exemplo desta transformação é o surgimento destes espaços gastronômicos e culturais. Há estabelecimentos para todos os gostos e bolsos. São inúmeros cafés no Plano Piloto, sendo difícil encontrar uma quadra comercial sem um deles. O programa já entrou na rotina de diversão da cidade.

Outra mania brasiliense de lazer são as festas pagas. Lago Sul, Lago Norte e Park Way são os bairros onde elas costumam acontecer. Às vezes são os clubes sociais que as oferecem. Empresas de promoções organizam o evento. É pagar o preço do ingresso e curtir madrugada adentro. A juventude candanga não abre mão. Estas festas costumam estar sempre lotadas.

Num dia de domingo 

Divertimento rotineiro da sociedade brasiliense é preparar um churrasquinho para os amigos. Brasília é a capital das piscinas – e isto não é mito. O anfitrião aproveita o sol, o calor e reúne em casa as pessoas que gosta. Cardápio: espetos de maminha, picanha, frango, coração. Almoço de primeira nos fins-de-semana.

Mas para quem mora em apartamento e não tem churrasqueira, o Parque da Cidade oferece dezenas delas. Por sinal, o Parque Sarah Kubtischek dispõe de quase tudo um pouco. É um oásis de lazer e tranqüilidade encravado no centro das decisões nacionais. Não é à toa, portanto, que o lugar seja um caso de amor para a população.

Espaço democrático onde o brasiliense se liberta, se diverte, se exercita, o Parque da Cidade oferece mais de 420 hectares de puro lazer. Um imenso mosaico de atividades esperam os freqüentadores. Pista de cooper, quadras desportivas, piscina de ondas, praças, parques infantis fazem parte das opções. Ali se corre e caminha. Mas há quem prefira tomar sol, patinar, jogar bola, sentar na grama, fazer tai-chi-chuan, namorar. Ir ao Parque é uma unanimidade na preferência local.

Asfalto liberado!

Realmente, viver integrado à natureza parece ser o lema da capital. Aos domingos, a pista com seis faixas de rolamento conhecida como Eixão, que corta o Plano Piloto da Asa Sul à Asa Norte, é fechado para o trânsito de carros. Chega o momento de a população tomar conta do asfalto. O Eixão do Lazer é sempre assim: recreação para as mais variadas gerações de moradores.

E quando o brasiliense não está respirando o ar puro da própria cidade, aproveita para respirar o das cidades próximas, de chácaras ou de fazendas da região. O Distrito Federal é uma zona rica em rios, cachoeiras e reservas ecológicas. Os que vivem aqui não perdem a oportunidade de estar em contato com a natureza, com as belezas do cerrado. Cidades como Pirenópolis e Alto Paraíso, no vizinho estado de Goiás, são disputadas nos finais de semana. Fazer reserva com antecedência costuma ser atitude prudente.

Feiras. Os candangos também não perdem uma. Na ausência das tradicionais feiras de rua, comuns nas outras capitais, a população comparece aos diversos tipos de exposições que acontecem no planalto central. Um pavilhão de exposições dentro do Parque da Cidade, o ExpoBrasília, abriga grandes feiras ao longo do ano.

Mosaico cultural

Algumas fazem parte do calendário de eventos local. Entre elas, a Festa dos Estados, a Feicom – feira do comércio de Brasília e a Feimov – feira da indústria moveleira do DF. A Feira do Guará, especializada em venda de confecções, também já fez história e atrai as brasilienses interessadas em preços mais acessíveis. Mostras de design e moda alternativa vêm se tornando comuns na cidade e há ainda a Feira Mística e a Feira do Livro, que acontecem todos os anos no Centro de Convenções Ulysses Guimarães.

Porém, a mais famosa feira de Brasília é a da Torre de TV. No início, seus expositores vendiam apenas artesanato. Hoje, as opções de compra estão mais variadas: móveis, comidas típicas, quadros, flores do cerrado, bijuterias, jóias... A Feira da Torre ou Feira Hippie - para os mais antigos - é a cara da cidade: uma mistura de rostos, gostos, tipos, atividades, cores, sons, cheiros. Um lugar vibrante, vivo, jovem. Uma tradução da capital verdadeira, sincera. Nada parecida como aquela que o Brasil se acostumou a ver no Jornal Nacional.

Box: Os nativos respondem: o que você mais gosta de fazer em Brasília?

Vou semanalmente ao cinema. Também freqüento bares e cafés. E aprecio bastante caminhar e tomar água de coco no Parque da Cidade.

Maria Deuza L. de Oliveira, 37, jornalista

Gosto de ir ao shopping para xeretar e comprar, é claro. Aprecio uma boa casa de chá ou café. Apesar de não ter muito tempo, gosto de caminhar na pista que contorna o Guará II. Estar com a família e os amigos também é uma delícia.

Simone C. Aragão, 34, funcionária pública

Sou cinéfila com C maiúsculo. Gosto muito de conhecer restaurantes, bares e similares. Costumo ir sempre a um diferente. Além disso, adoro reunir os amigos em casa ou ir à casa deles.

Monica O. Andrade, 28, publicitária

Gosto muito de me banhar em águas correntes e, por isso, freqüento as cachoeiras de Sobradinho. Às vezes vou ao cinema.
Gregório Diniz, 27, matemático

Adoro ouvir música, dançar, namorar, passear nos shoppings e fazer compras.
Alexandra C. Rocha, 18, estudante do ensino médio

Cinema, caminhada no Parque da Cidade, cachoeiras e fazendas próximas, cafés...
Fernanda B. Costa, 23, estudante universitária

Gosto de passear de barco pelo Lago Paranoá. Caminhar no Jardim Botânico ou no Parque da Cidade e visitar cachoeiras no entorno.

Flávia Regina Agra da Silva, 28, psicóloga

Adoro tomar cerveja com os amigos em bares animados e cheios. Ir a shows de rock, pagode, MPB. Festas com pessoas amigas e adultas também são legais.
Márcia R. Costa, 28, estudante universitária

Dançar, ir ao cinema, shows e freqüentar um bom restaurante.
Luís Gustavo L. Lima, 30 anos, fotógrafo

Voar no meu parapente pelo Vale do Paranã, fazer um happy hour nos botecos com os amigos, ir a bons restaurantes.
Ivan Ferreira da Costa, 31, professor

Praticar esportes, bares, boates, viajar para a Chapada dos Veadeiros, Pirenópolis, Cavalcante. Sou meio “rasta”. Gosto da feira da Torre, de cinema, teatro e manifestações culturais de uma maneira geral.
Mauro S. Carneiro, 29, estudante universitário

Gosto muito de cinema e teatro. Costumo almoçar aos sábados em restaurantes. Vamos ao shopping. As crianças gostam do boliche e dos brinquedos eletrônicos. Andar de bicicleta também é um programa que agrada a todos. Andamos no Eixão ou vamos ao Parque da Cidade. Clube. Domingo é o “dia da chácara do vovô”. Lanchar no Mc’Donalds ou no Marietta Café. Ah, passear de lancha no Lago é um programa muito agradável e ir ao kart é bastante divertido.
Simone M. Vidigal, 34 anos, funcionária pública e estudante universitária

Pesquisar na UnB, jogar sinuca com os amigos, ir ao cinema, preferencialmente aos cineclubes. Gosto de ir a museus e à exposições, mas acho que Brasília é carente neste sentido. Aproveito os domingos de sol para dar um passeio pela cidade. Também vou, nos finais de semana, à fazenda da família.
Bernardo A. Mello, 32 anos, físico.
 

Comentários

  1. Nossa Luciana, a quanto tempo que isso foi escrito? Porque nao faz nenhuma diferença para os nossos finais de semana. Inclusive este estava muito agradável. Bjs. Gabi

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