Vermelhas e Amarelos




Característica carioca marcante são as bancas de vendas de livros espalhadas pela região central ou pelas calçadas da zona sul. Foi numa delas, ao lado do prédio do Banco Central, que garimpei a adaptação de “O Mágico de Oz” que leio agora. 

Gosto muito do filme, mas o roteiro tem algumas pontas soltas. As personagens soam um pouco forçadas a se reunir num encontro amalucado. A obra, claro, resolve a questão, ainda que não esteja lendo o original. 

Estou me divertindo muito com essa fuga estratégica para um lugar mítico que faz parte da minha cinefilia. Ontem, pouco antes de dormir, invejava Dorothy Gale tombar, inebriada pelos efeitos sedantes dos campos vermelhos de papoulas. Tudo o que eu queria era um opioide que também me fizesse apagar todas as noites, a noite inteira. 

Lembrei da pobre Judy Garland e do seu vício nos chamados barbitúricos, tão em voga naqueles tempos. Eram comprimidos para dormir, para acordar e para se manter magra e viável na pele da menina Dorothy quando já era uma jovem mulher. 

Assim também foi com Marilyn, não? Destruída pelos opiáceos. E hoje em dia não é diferente. Aliás, talvez haja sido sempre desse modo, ao menos nos EUA, onde o acesso a toda sorte de fármacos é super livre (estamos chegando lá, hein). Michael Jackson, Prince, antes deles, Elvis. Uma galera que invejou o sono profundo da guria do Kansas. Mas que dá vontade, dá. 

Será que L. Frank Baum, o autor de “O Mágico de Oz”, escreveu esse capítulo, “o perfume da morte”, como um alerta? Ou foi pura premonição? Na ficção, porém, Dorothy não sucumbe graças à intervenção do Homem de Lata e do Espantalho, seres “não-humanos”, ou seja, imunes às tentações e às adições. Eles literalmente a carregam para longe do aroma entorpecente, e reconduzem a garota à trilha dos tijolos amarelos (o caminho do bem, da redenção, da realização dos sonhos mais lindos de voltar para casa). 

OK, estou viajando na maionese e nem fumei ópio com essa minha cara de mongol (no contexto étnico, tá?), a longa piteira... Como se precisasse de alguma droga para começar a enxergar conexões barbitúricas na rotina da vida. Não é que na aula de balé a professora coloca uma versão de “Yellow Brick Road”, do Elton? O ciclone me apanhou de jeito: esqueci de prestar atenção no número de repetições do grand battement e levei uma baita bronca. 

Quer outra coincidência? Acabo de descobrir que Frank Baum era adepto da Teosofia, “a ciência dos fundamentos e mistérios de todas as coisas”. A origem da palavra Theosophia é grega e significa sabedoria divina. Foi cunhada em Alexandria, no Egito, no século III d.C. por Amônio Saccas e seu discípulo Plotino, filósofos neoplatônicos. Fundaram a Escola Teosófica Eclética e também eram chamados de philaletheus (amantes da Verdade) e analogistas, pois não buscavam a sabedoria apenas nos livros, mas por meio de analogias e de correspondências da alma humana com o mundo externo e os fenômenos da Natureza. 

HaHaHa, sou teosófica e não sabia. Mas a conexão telúrica existia desde a infância, eu é que não enxerguei. A irmã caçula da minha madrinha se chamava Theosofia. Que nome, não? Cresci em meio às sacolas que ela trazia do Rio de Janeiro com a última moda em roupas e em acessórios. Ela própria uma espécie de Carmem Miranda lotada de pulseiras, brincos e colares sobre seus modelitos extravagantes, quase sempre vermelhos. Os campos rubros de papoulas strike again… 

Se Theosofia primava pelo estilo, o mesmo não podíamos dizer sobre sua inteligência. A alcunha não a ajudou muito: fazia o tipo burrinha a la a Garland, no papel que lhe lançou ao panteão das grandes estrelas de Hollywood. 

Amanheceu e todas essas sinapses alucinadas me conduziam a uma única e derradeira opção: calçar meus sapatinhos Dorothy, eternos objetos do desejo, e vir trabalhar. 

Creio que qualquer realidade se torna mais palatável com um sapato-boneca vermelho. Caso discorde, você não tem coração, cérebro ou coragem de assumir. Só acho. 

Comentários

  1. Mantemos os sapatinhos vermelhos. Precisamos calçá-los mais vezes por uma questão de saúde! Belo texto!

    Carla Conti

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  2. Adorei os sapatos e o texto também! KKK!

    Márcia Romão

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  3. Sou obrigada a concordar. Hehehehe, muito bom!

    Wainer Martins

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  4. Maravilha! E os sapatinhos são a sua cara!

    Cynthia Chayb

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  5. Gostei. Sempre tive ao menos um par de sapato ou sandália vermelhos.

    Paula Mello

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