Ao vivo e on-line

Não queria soar pedante, mas algumas coisas só acontecem comigo. Tá bom, narcisismo. Serei uma mãe narcisista, daquelas que deixam sequelas irreversíveis nos filhos? Hoje li uma matéria sobre o assunto e fiquei meio cabreira. Mas não é disso que quero falar, e sou eu quem mando aqui, não você, texto. ;)

Semana passada arrumei um crush. Para ser exata, foi o crush quem me arrumou. Ele me encontrou no Insta, onde posto um bocado de fotos pseudoartísticas, com legendas descoladinhas, ou poemas alheios e poucas selfies. Aí o cara começou a me seguir, um tal de Ben Watson. Legal. Após uns 30 corações nas minhas postagens, Ben Watson me manda um privado: Hi, Beautiful!

Epa, o que foi isso? Resolvi dar uma cordinha, e decidi segui-lo também. Descubro que o cara diz ser sargento do exército americano, residente em Miami e guapo. Respondo a mensagem dele e pergunto como ele me encontrou no mar de gente do Insta. Ele: you are a godness! E me printa uma foto que pedi para Bernardo tirar de mim (doce vingança) ao lado da Frida, com a camiseta de corgi cool.

Eu sabia que essa blusinha me rejuvenesceria uns 20 anos. Pimba. (A gíria voltou a me colocar na década apropriada). Seguiu o som: you are too atractive, you are amazing, Brazilian women are the most beautiful in the world. Elementar, meu caro Watson. Já posso abandonar o Brasil, morar em Miami e curtir músculos tatuados ao invés de cérebros equacionais. Mais Bolsonaroland, impossible. Morram de inveja, eleitoras do Boçal.

Desenrolei um pouco o novelo e falei que vivera nos EUA, em Nova Iorque; que curtira os canais e pontes de Miami etc e tal. Ben quis saber o que eu fazia na Big Apple e o papinho mole durou uns cinco minutos até a pergunta cabal: are you married?

Deixei em branco. Não queria perder aquela sensação bacana de estar sendo paquerada à beira dos 50 anos. Não, não tem preço mesmo. Valeu, Ben 10! Foi muito bom enquanto durou, mas são demais os perigos dessa vida para quem tem paixão…

As coisas que só acontecem comigo continuam só acontecendo comigo, creio. Hoje, estaciono o carro para ir ao comércio, porém toca na rádio "Rua Ramalhete", canção que adoro, apesar de não ser do meu tempo, OK? Esperei a música acabar, o que não se deve fazer NUNCA enquanto mulher sozinha dentro de um veículo e distraída. Quando olho, há uma outra mulher, com jeito de celerada, à janela.

- Esse carro qual é?

- Céus, fodeu. É um honda fit, respondi tentando disfarçar o susto.

- Ah, não é um Ideia não, né? Eu gosto da Fiat. Mas esse é bom?

- Sim, é muito bom, não vai nunca pra oficina.

- E honda é americano, é?

- Não, é japonês. E vou abrindo a porta do motorista pra ver se a mulher me deixa passar.

- Ah, japonês é bom.

- Verdade, e retiro meus óculos escuros...

- E você é meio japonesa também, né?

- Sou não, mas parece.

- Que diabo é isso, então? Desculpe-me, é jeito de falar, coisa de mineira. Diabo não, é bonitinho esse olhinho puxado.

- Sorrio e emendo: é indígena. Não sei de que ponto, se foi bisavô, tataravô…

- Mas você é de onde?

- Daqui, brasiliense. E nisso já estávamos andando lado a lado na maior intimidade.

- Mas a sua família é de onde?

- Goiana.

- Ah, eu queria muito ser goiana (nunca vi um mineiro renegar suas raízes logo pelos goianos). Morei 20 anos em Goiânia. Me formei pelo Mobral e dei aula no Mobral. Trabalhei com o ministro mais inteligente desse país: Mário Henrique Simonsen.

- Ele era de fato um cara com boas ideias. Qual é o seu nome?

- Zélia! (olhei bem para aquela senhora franzina pela primeira vez e me lembrei da minha cunhada, esposa do meu irmão mais velho, que não vejo há anos: insanas-xarás).

Zélia não queria parar com a prosa, mas eu estava com certa pressa para fazer os novos óculos e me despedi:

- Parabéns pelo seu trabalho no Mobral. Admiro demais os professores.

O rosto dela se iluminou, orgulhosa de si, e seguiu caminho para as bandas do supermercado.