Maribel








O clima no estado de NY pode variar alucinadamente de um dia para outro. Ontem, 30 e tantos graus. Hoje: 21 de máxima e chovendo.

Passei em frente da Good Will Store e me deu vontade de checar a bugigangas. Fazia tempo que não entrava no gigantesco brechó que tem de tudo um muito. Maneira divertida de gastar tempo até buscar Tomás no Avid Summer Camp.

Quando terminava de pagar meus garimpos, uma hispânica me perguntou as horas em espanhol. Eles sempre acham que eu sou hermana com esse fenótipo inca-maia-tupi-guarani...

Respondi na língua nativa dela, mas ela seguiu me olhando com um ar de cachorro que caiu da carroça.

Abria a porta do carro quando ela teve coragem de perguntar:

- Você está indo para onde? (em espanhol, claro).

Levei alguns segundos para reprogramar o cérebro a fim de não responder em inglês.

- Você não fala espanhol, né?, sacou.

- Sí, yo soy brasileña, hablo portugués. Pero puedo hablar español también.

Ela me pediu uma carona, pois os ônibus realmente levam séculos no condado de Westchester e não há metrô por essas bandas.

Disse que sim, afinal ela estava indo para a mesma direção. Tadinha, ficou tão contente!

Seguimos hablando em espanhol. Descobri que era cabelereira e trabalhava num salão de White Plains.

Mora aqui há três anos e ainda não consegue falar uma palavra sequer em inglês...

Maribel tem uma filha de 17 anos e outro de dois anos e meio. Me mostrou as roupinhas que comprou para o filho enquanto as roupas da família estavam sendo lavadas e secadas na laundry que, coincidentemente, foi a primeira que utilizamos para lavar nossas roupas quando chegamos à cidade ianque.

Uma bela estampa indígena tem a peruana. Contei que tenho duas grandes amigas também nascidas no Peru: Mary Carmem e Ilda. Uma vive aqui; a outra já voltou para a terra-natal faz tempo.
Maribel também quer voltar para casa, mas não vai fazer isso, pois nos EUA a filha tem estudo público de melhor qualidade; alguma chance de prosperar. O mais novo já nasceu americaninho...

- Aquí no és bonito! Aqui se pone el corazón duro. Son muy fríos!

Concordei. E me senti triste por ela, por saber que os hispânicos imigram, vivem em guetos, não aprendem inglês, são tratados como gente de terceira categoria e se submetem a tudo isso porque os países latinoamericanos patinam entre o bolivarianismo, chavismo, evismo, peronismo e lulismo que não lhes oferecem saída para evoluir como cidadãos.

Um rol de assistencialismo e de populismo eternos que nos colocam, sul-americanos, numa espécie de armadilha cheguevariana perpétua. Vide Venezuela recebendo apoio de PT e PCdoB brasileiros para seguir destruindo qualquer avanço social-democrático.

A chuva caía forte. Parei na porta da deprimente laundry (lembro como me senti terrível lá dentro, os meninos criados no Plano Piloto de Brasília assustados com a feiúra e a pobreza que emanavam dali). 
Maribel perguntou meu nome e tomou nota do meu telefone. Fez questão de me passar o dela e suplicou me abrançando:

- Me llama!

Fiquei sentada ao volante com um nó na garganta.




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