"Bitter Sweet Symphony"






Momentos de euforia, momentos de banzo. Quem passa pela experiência de estar exilado da terra-natal vive nesse revezamento olímpico. Para alguns, dura mais do que para outros. Não lembro quanto tempo levei da primeira vez para me sentir menos desconfortável nos EUA. A impressão é que envelheci para me meter nessa gangorra emocional. Sinto-me enfastiada como se já tivesse feito tudo o que eu precisava fazer: oba, as férias acabaram, vamos voltar pra casa? Sinal visível de rabujice como os cabelos brancos que insistem em aparecer sem serem chamados. Ainda bem que aqui na CVS Pharmacy você encontra um spray da Loreal que disfarça bem aquelas entradas grisalhas. Poderia existir um para disfarçar tédio e mal-estar.

Outro dia Tomás pediu que a gente colocasse música brasileira. Rosa Passos trouxe um conforto auditivo que fez bem até ao estômago, comida de mãe, mingau de maizena. Hoje fui eu quem corri para o spotify e tasquei Marisa Monte. Não podia suportar mais nenhuma narração esportiva em inglês. Deveria ter assinado a Globo para ver as Olimpíadas, vacilamos, mas não tivemos tempo para pensar sobre isso com um apartamento para mobiliar nas costas. Costas, elas andam bravas comigo nesse momento em que varrer, esfregar e lavar entraram no meu dia a dia. Mas os guris já estão devidamente adestrados para limpar o próprio banheiro. Guardam sua própria roupa e lavam as panelas. Trabalho infantil mais do que recomendado.

Hoje conseguimos, enfim, fazer a matrícula dos meninos no sistema público de educação de White Plains. Tivemos de preencher uns dez formulários diferentes, além de receber outras tantas informações que me deixaram mareada. O cérebro anda recusando a entrada de novos dados, dado o acúmulo de aprendizados recentes. Aos poucos, alguma rotina vai se assentando. Em breve, estarei fazendo minhas aulas de smart housewife: balé, coral e um cadiquim de inglês. Creio que a sensação de desconforto latente vai passar quando esses compromissos se tornarem parte da vida.

Todavia, sigo me perguntando como é que um brasileiro consegue atravessar a exitência nos EUA de boa, até feliz. Não é pra mim não. Abraço de gringo é sem graça. Não vou falar da comida porque seria chover no molhado. Pessoas que cultivam impecáveis jardins e os deixam abandonados, sem usufruir do prazer que eles proporcionam, me angustiam. Imagina a sofrência de Manoel de Barros com esse povo esquisito!!! A mãe de uma conhecida minha, que mora há anos na Califórnia, afirmou dias atrás: "os americanos não sabem viver". I agree with her.

Mas devo admitir que houve uma mudança significativa no comportamento social dos americanos brancos, heterossexuais, sempre no comando. Vejo mais famílias curtindo os parques do que em 2001/2002. Talvez a presença massiva de hispânicos, com postura mais gregária e extrovertida, esteja influenciando nesse ponto também. 

Falando neles, nossa vizinhaça é formada por latinos que vivem em multifamily houses, além de negros. Os poucos brancos da rua estão no nosso prédio. Somos uma ilha de brasilidade cercada de hispanicidade por todos os lados. Entre os formulários a ser preenchidos durante o registro dos meninos na escola, estava o de origem racial/cultural. Bernardo queria que eu marcasse hispânica. Oras, que ideia! Conversei com a funcionária, expliquei que não tinha background hispânico. Somos portugueses, africanos, indígenas, mas não cucarachas! 

Não me levem a mal, porém sou mais Pessoa do que Lorca, entende? O Português é meu grande amor. Nada posso contra a força da língua-materna. Engraçado como o orgulho e o patriotismo afloram nessas horas de desterro. A funcionária concordou comigo e respondeu que me entendia perfeitamente. Então marquei um X em outros, pronto.

Os guris já fizeram um amiguinho na Harmon street. É negro (aqui tem de falar black) e cheio de irmãos menores e maiores. Lembrei da minha infância nas ruas da quadra 715 sul. Minha primeira amiga era negra, Vanessa, com suas irmãs Cláudia, Elaine e irmãos: Gustavo e Márcio. Em White Plains, Tomás e Rômulo terão a oportunidade de conviver com a diversidade de etnias, de realidades menos burguesas do que a deles. Um aprendizado cidadão para todos nós.

Houve um hiato do começo do texto para o final. Saí para desfrutar da natureza e afastar a deprê que ameaça se instalar, logo na sexta, o melhor dia da semana! Aqui a gente passa fome (a inanição permanente provoca tristeza), mas os parques, ah, os parques, são redentores!

See you, hasta luego, inté!


* Título de uma canção do grupo The Verve




Comentários

  1. OI amiga saudadinha sempre que leio seus relatos... gosto muito dos seus textos, concordo com vc, no que diz respeito a voltar pra casa...sim imagino,passo poucos dias fora, curto muito viajar, é sentir que fazemos parte do todo e tudo, com suas culturas,compartilhar diferenças...mas tem o momento de querer retornar para o ninho...mas passa rápido, e a experiência que vcs trarão nas mochilas serão muito gratificantes, tenho certeza.
    Beijo grande...saudações brasileiras!
    Cynthia

    ResponderExcluir
  2. Lu não deixa a tristeza ter pegar aí não por favor.........É só lembra que daqui a pouco vc vai estar em sua Pátria querida junto de seus amigos.

    Leila

    ResponderExcluir
  3. Amei o texto. E a língua materna é um bicho danado, instala - se no gene da entranha. A propósito, ontem comecei a lecionar numa pós em Educação Bilingue. Antes do bilinguismo, porém, quis falar da malvada, mas não tive eco. Dá muito medo, sem que se saiba...

    Beijos,

    Ana Cristina

    ResponderExcluir
  4. Não é à toa que a obesidade impera. Eu viveria de cheescake, como vc bem sabe... Abençoada criatividade a sua, ela te salva e salvará sempre.

    Marisa

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos