Da intolerável suavidade






O velhinho que vende biju paulista no semáforo não desiste. O sol a pino, o chapéu desestruturado na cabeça e o bom humor são suas companhias constantes. E os carros parados, é claro, prontos para partir em baforadas estressadas.

No dia em que lhe dei dez reais e não pedi troco, o velhinho me sorriu e respondeu como se tivesse ganhado na mega-sena. Não havia vendido nada até então e já passava das três da tarde. 

Por que as pessoas não gostam mais de bijus paulistas? Aquele biscoito em forma de canudo finíssimo e quebradiço faz parte das doces memórias da infância. Comprei por isso. Hoje compro para não mais sentir o nó na garganta que sufoca toda vez que vejo o velhinho.

Por que o velhinho é pedra no meu caminho do trabalho para casa? Por que ele insiste em existir com sua fé na humanidade incômoda a me desmontar? Tem dias que traço outro percurso mais longo, só para não dar de cara com a cara do velhinho. Não posso comprar bijus paulistas todos os dias. Meus filhos nem gostam. E eu já estou há muito fora do peso.

O velhinho carcomido pelo angustiante calor teresinense de Brasília segue na procissão solitária e silenciosa. Não demonstra cansaço, além das rugas que lhe cobrem a face. Não faz drama, apenas persiste, e sua concretude me é suficiente para entender a insanidade do Brasil. 

Mas a verdade é que eu queria fugir desse entendimento cáustico. Que leveza teria a espera pelo sinal verde sem sinal do velhinho. Quando ele não está, que é raro, respiro aliviada. Quando está, quase sempre, sorrio idiota e pergunto qualquer coisa para disfarçar a revolta que sinto de velhinhos vendendo coisas no semáforo. Ou ainda acabo comprando outro saquinho transparente e sem marca de diáfanos bijus. 

O velhinho oferta aos motoristas a digna suavidade que a vida dele não tem. 



Comentários

  1. Parabéns, Luciana!... Belíssima crônica!

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  2. Caca disse:Cynthia vc já leu o texto da Lu sobre aquele velhinho dos bijus"? eu ainda não havia lido, mas imediatamente, me veio lá de dentro:"ah sabia!" é como se eu pressentisse, que aquela figura tão conhecida "nossa", imagino que vc tb já o conheça de algum tempo, tivesse de ser lembrada, reverenciada, por um olhar que só quem tem a escrita como ferramenta de expressão, poderia fazê-lo, e isso vc tem de sobra, pois é um dom de Deus,vc "enxerga aquilo que os olhos vêem" compreende?
    Beijo grande e continue nos encantando e nos inspirando,ok?
    Namastê!

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  3. Luciana,
    a sua estória me levou a um tempo distante, ali pelo início da minha adolescência. Todo sábado à noite, quando muita gente ia "passear" pela principal avenida de Pouso Alegre, lá estava o "Seu Biju" (ou Bijou, como queira) vendendo, claro, bijus. O nome do homem, também velho, também era Biju. E, a minha mãe dizia que ele já vendia os bijus, quando ela ainda era mocinha!! Ou seja, pelas minhas contas, ele vendou os seus bijus, por, pelo menos, uns 30 anos!!
    Paulo.

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  4. Obrigado, Luciana. Texto bastante sentimental, tocante... Também torço pelo dia de não encontrar velhinhos ou crianças vendendo desesperança em sinais.

    Severino

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  5. Parabéns Luciana! Tenho o mesmo sentimento ao me deparar com situações tais.

    Abraços,

    Akiko.

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  6. Ai, Lu, que lindo! Parabéns pelo texto!
    Bjs,

    Ana Claudia

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  7. Lindos, comoventes e inquietantes Lú, os tantos "velhos de bijus", das cidades e de nossas vidas.

    É essa absolutamente incômoda sensação de impotência e dor diante dos absurdos que vejo e enfrento todos os dias nos vários cantos da cidade.

    Também não sei o que fazer quando vejo velhos e crianças (as duas pontas da total fragilidade e carência humanas) neste estado de penúria, desrespeito, exposição, abandono...

    Compro quase sempre o que não vou comer ou usar ou dou dinheiro, com a sensação clara e dura de que o gesto é apenas uma forma vã e mercantilista de não se sentir culpado, omisso, desumano. De fingir que se importa ou que fez alguma coisa para aliviar a situação...

    Enfim, sempre saio da experiência tão pobre e sofrida quanto entrei, sabendo que tem mais o que ser feito, mas que não fazemos...

    Bjos,

    Marilena

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