O golpe da blattodea






Todas as certezas, todas as dignidades, todos os orgulhosos e toda a autoconfiança desaparecem de imediato quando ela se depara com a barata. Principalmente quando o encontro, inesperado e inóspito se dá no refúgio mais íntimo de sua casa, dentro da suíte do casal, passeando soberana sobre a bancada de mármore crema royal. 

Terá a barata galgado a escova de dentes? Quantas tampas de seus cremes faciais? Os batons? Ela abriu a porta do banheiro exaurida de mais um dia de batalha em sua rotina atribulada com dois filhos sem pai, que saiu em viagem de negócios. Do lado de fora do seu reino, o país também fervilhava em acusações, delações, escutas, bravatas, buzinas e panelas. 

Já passava das 11 da noite. Era hora de um banho morno para acalmar os ânimos e os músculos. Mas ao chegar à porta, a visão da barata! Imensa, mais antenada do que ela com o pulsar da vida, passeando calmamente sobre a bancada de mármore noisette iria cream. 

Recuou em grito estridente. Puta que pariu, será que acordou os meninos? Paralisou, trincou os dentes, gemeu de desespero. Nunca dantes havia visto uma barata em seu banheiro de rosas e cerâmica Francisco Brennand. 

Pensou que o dia realmente estava sendo inédito em tantos aspectos... Uma barata logo quando o marido viaja. A Lei de Murphy é implacável. Saiu em disparada para a área de serviço em busca de uma barreira que pudesse ser construída entre ela e serena e caramelizada barata. 

O máximo que encontrou no armário de limpeza foi uma lata de Glade aerossol que nunca comprou. Outro fato inédito nesse dia de convulsões. Voltou ao banheiro e apertou, trêmula, o jato do perfume nauseante sobre a barata que bambeou, mas fugiu pela greta da gaveta. 

A mulher segurou o puxador com o dedinho, se esticando toda num alongamento aterrorizado. Lá estava a barata! Agora dentro da gaveta de intimidades dela. Era de desmaiar. Mais borrifadas do perfume moribundo sobre o inseto que se limitou a desviar pela tangente, sumindo no desvão inatingível. 

Esgotada, ela decidiu tomar banho na suíte dos meninos. Não sem antes pedir socorro por WhatsApp para o marido, localizado há mais de sete mil quilômetros de distância. Ciente do estrago que uma barata faz na alma da mulher, ele sugeriu que ela fechasse a porta do banheiro e colocasse um pano na soleira da porta para impedir que a barata saísse. Boa ideia! 

No dia seguinte, perguntou à empregada: você tem medo de barata? Não! Que bom! Então me salve!! Compre um veneno, encontre a barata presa no meu banheiro e dê um fim nela, por favor! 

Foi trabalhar com uma baita dor de cabeça da noite mal dormida drogada pelo fedor enjoativo do Glade. Volta para casa e as notícias não são boas. A empregada não havia encontrado nem uma patinha da barata. 

O dia passa, chega a noite. Hora do banho de novo. Chama o filho mais novo para entrar no chuveiro com ela, pensando em poupar tempo e colocá-lo logo na cama para poder descansar. 

Dentro do box, molhados e ensaboados, o filho grita: a barata está ali! Estava mesmo, passeando entre as estimadas conchas que enfeitam a borda da banheira. Saem os dois esbaforidos porta afora, ensopando o chão do banheiro. 

A empregada, que naquela noite estava ali por obra de Deus, veio diligente atrás dos gritos. Ali, Maria, ela está ali no canto, ali! Berrava a mulher em pânico patético. Ouve-se uns sons surdos de chineladas: chilap, chilap, chilap... Triunfante, a empregada colhe os restos mortais da barata com um papel higiênico e manda tudo embora pelo vaso sanitário. 

A mãe e o filho, ensaboados e desnudos, voltam para dentro do chuveiro. A mãe pensa: providencial chamar o filho, que não é míope, para tomar banho com ela. Caso contrário, a barata poderia chegar ao cúmulo de alcançar o frasco de shampoo ou a saboneteira. 

O programa da noite era ver um filme de terror. Mas nada, definitivamente nenhuma história de suspense, seria capaz de superar o temor e a angústia da mulher que compartilhou o mesmo espaço com um ser nojento que pode chegar a uma velocidade de 3,2 km/h. Blattodeas a transformam em massa de manobra, a lobotomizam ao balançar das antenas. Nem a Rede Globo consegue ser tão eficiente! 


Comentários

  1. Cerâmica Francisco Brennand?
    Tá bom.
    Pesadelo kafkiano.

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  2. Luciana, adorei esse texto. Super divertido!!! Eu tambem tenhos as minhas experiencias com baratas!!!
    Um banheiro luxuoso, uma mulher chique!!! hummm, devo confessar que fiquei torcendo para a barata o tempo todo. Ah, acabei de me lembrar, tenho que limpar meu banheiro. Bernardo vem aqui amanha para fazer o cafe da manha!!!!

    Evelyn

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  3. Muito bom o texto. Embora eu tenha um asco terrível a minha coragem vem do medo de dormir e a tal passar por cima de mim!!!!

    Marcia Holanda

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  4. Kkkkk! Hilário!!!

    Gabriella Santana

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  5. Tem coisa mais arrepiante e ignóbil do que este bicho?
    este plot dá para ser de um filme de terror mais angustiante do que o que vc veria naquela noite dramática.
    Força e refrigério do alto para vc.
    bjs,
    Marcia Godinho

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  6. Hahahaha! Adorei! A sua cara.

    Bjs,

    Ana Claudia

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  7. Muito divertido e cômico quando narrado por vc Lu, mas bem sei o quanto deve ter sido aterrorizante, vc ter que dormir com esta nojenta em seu banheiro...e ainda bem que a mataram!
    Ri demais.
    Namastê!
    Cynthia

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  8. Muito divertido e cômico quando narrado por vc Lu, mas bem sei o quanto deve ter sido aterrorizante, vc ter que dormir com esta nojenta em seu banheiro...e ainda bem que a mataram!
    Ri demais.
    Namastê!
    Cynthia

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  9. hahaha! Que delícia de barata! Não fosse, claro, suas pernas finas e cabeludas. Bem podia depilar...

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