Nos Prelos





Uma biblioteca, por menor que seja, esconde redescobertas. Em meio ao plácido aglomerado de lombadas coloridas, fontes diversas e tamanhos desencontrados, os títulos se perdem e se acham a cada nova mirada. 

Como manter as estantes organizadas sem ser bibliotecária? Tentei separar por gêneros: poesia, autores brasileiros, autores de língua espanhola, livros em inglês, HQs, literatura infanto-juvenil... Mas qualquer imposição se queda falsa, pois os livros são dinâmicos e pouco a pouco vão mudando de lugar como se tivessem vida própria. 

Imagino aquelas bibliotecas gigantes dos verdadeiros bibliógrafos. Se tornariam barafundas impenetráveis se não há alguém capaz de conduzir o minimalista arranjo diário de afagar os egos das grandes obras que, com certeza, sempre se impõem aos mais recatados volumes. 

Procurando sugestões de leitura para o filho primogênito, que já consumiu toda a tal literatura infanto-juvenil disponível nas prateleiras de casa, acionei olhos de lince para reencontrar preciosidades dentre aquelas leituras familiares. “Haroun e o Mar de Histórias” já seria indicado para ele?

E ao relembrar meu eterno encantamento com essa obra quase desconhecida de Salman Rushdie, redescobri à espreita e ainda inédito ao meu desvendar “Os Filhos da Meia-Noite”. Oba! É um prazer tão genuíno saber que você ainda pode ler tantas coisas interessantes na sua vida; que a fonte criadora dos homens e mulheres das letras é inesgotável! 

Quem gosta de livro compra, enfia em qualquer canto da estante e depois leva um susto: ué, eu tenho esse título? Pode passar um tempão, mas a gente acaba fuçando atrás de algo para ler entre tudo que já leu e se surpreende com obras que, sem motivo específico, acabam numa zona de esquecimento promovida pela insanidade dos dias que somem na velocidade 4G. 

Saquei da cartola "Cidade Flutuante”, de Júlio Verne (não lido) e “Max e os Felinos”, de Moacyr Scliar (lido). Estaria pedindo demais do meu pré-adolescente? Não custa jogar a isca pra ver se fisga o peixe... “Mamãe, Haroun eu já li!” Veja esse aqui então. Ele conta a história do filme “A Vida de Pi”, filho. Mas por que é Max e não Pi? Pergunta pertinente que me obrigou a explicar o vergonhoso caso de plágio ocorrido com o brilhante argumento que se desenrola entre o homem e o tigre dividindo um pequeno barco no oceano sem fim. 

Tomás ficou com o Max, sabia que era irresistível. “Mas não guarde o Cidade Flutuante, mamãe, que leio depois”. Claro, vou deixar separado, caso contrário o danadinho se perde nos desvãos das estantes novamente. 

Cada romance, conto, crônica, novela passa por dois processos de prelo... O da editora e o do leitor. Alguns jamais saem do primeiro estágio; outros conquistam o segundo. Será que existem livros lidos apenas por duas, três, cinco, dez pessoas? Será que há ao menos uma obra à venda na livraria que não encontrou um único comprador? 

Nessa de correr os dedos e os olhos nos achados e perdidos literários, vejo um livrinho despretensioso, assim como a pessoa que me presenteou com ele: “Que presente te dar?”, do Affonso Romano de Sant’Anna. Havia completamente desaparecido da minha memória o fato de ter ganhado a obra do meu primo-irmão. Talvez ficasse aguardando no buraco negro das tantas obras amadas ainda não lidas por algumas encarnações. Entretanto foi resgatado do limbo da prateleira para a fila da mesinha de cabeceira. 

Em breve não terá esperado em vão. 



Comentários

  1. Muito bom. Realmente nada como o universo dos livros para manter interessante a vida.

    Bernardo

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  2. Obrigado pela gentileza, Luciana. bom demais ter amigos assim, que se interessam pela gente, pela cultura, em nos presentear com coisas boas. quem sabe um dia sejamos amigos reais..bom dia.

    Severino

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  3. Wonderful, as always. Our kids are pulling their way through books, Kathryn enjoys her relatively advanced kid lit (Hunger Games, etc), and Eric will read anything that is about cars, trains or planes. He is quiet but has some deeper philosophical thoughts than his older sister. Both are totally addicted to Nintendo and web games, of course. I should give more thought to their reading, but already we can't tell Kathryn anything. Fortunately she is also a very skilled artist and we can buy her lessons and supplies. She also has a serious boyfriend (at 11!) and we are just watching that in amazement. "Daddy, can you call Orlando's mom and see if he is doing anything this afternoon?"... At least he doesn't drive a motorcycle. Yet.

    Brian

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  4. Lindo texto, Loo. Flui como um bom livro. Adorei a imagem do "plácido aglomerado de lombadas coloridas...", é tão assim!
    Beijo,

    VitAC

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  5. Mundo mágico, este dos livros...quando olho as prateleiras da minha modesta biblioteca,viajo sempre, meus olhos percorrem os títulos, alguns já lidos, relidos, outros não lidos, e outros que comecei e não consegui ir adiante, apesar de algumas tentativas, não rolou
    um chamado...mas continuam ali, quem sabe num outro momento...adorei seu texto, estava com saudades!
    Namastê!
    Cynthia

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