Alma Tísica






Acho que gostaria de ser mais frágil. A todo momento cruzo com espirros, tosses, colegas de licença-médica por causa de sinusites, bronquites, gripes, alergias múltiplas. Sei lá, queria sofrer de enxaqueca pra ser bem mulherzinha. Labirintite ou de dor na lombar: mega fashion. Ou talvez de endometriose, miomas, ovários policísticos, cólicas menstruais excruciantes, hipo/hipertireoidismo e outras enfermidades tão comuns ao gênero feminino. 

Mamãe não passou açúcar em mim, é verdade. Mas alguma coisa deve ter acontecido naquela pneumonia que me acometeu antes de 1 ano de idade. Os antibióticos deviam estar adulterados por algum programa clandestino do governo que testava novas armas bioquímicas. Ou teria sido uma superdosagem de sustagem que dona Maria me obrigava a tomar diariamente durante a primeira infância? De qualquer modo, depois de quase morrer, me tornei quase invencível. 

Às vezes, sinto-me como a personagem do Bruce Willis naquele filme bobo do Night Shyamalan: Corpo Fechado. Doença? Que doença? O.K., já quebrei o cotovelo. Alguma coisa tinha de acontecer nessa vida para dar mais emoção, né mesmo? Afora catapora, caxumba e uma suave hepatite A na adolescência, acabou-se. Nada mais. 

Tá, tudo bem, eu tenho miopia e astigmatismo. Tinha de acontecer alguma coisa incapacitante de algum jeito para eu ter mais humildade, não é verdade? Mas ainda assim tenho pouca empatia com a fragilidade alheia. Exatamente por desconhecer os desagradáveis ciclos dos males corporais crônicos. A intolerância é o meu lado mal. 

Como Deus escreve certo por linhas tortas, meu marido é o antagonista de Bruce Willis no filme besta citado acima. Ele é quase quebradiço. Todos os dias, preciso morder a língua, respirar fundo e tentar me colocar no difícil papel de quem não é abençoado por uma saúde estável. Às vezes consigo, noutras, não. Impaciento-me. Sou egoísta. Tenho vergonha de mim. 

Meus filhos, até o momento, vivem praticamente à prova de moléstias, isto é, quase imunes aos pronto-socorros e viroses. Amém! O DNA materno supervitaminado pelo tal experimento genético no Hospital público da Asa Norte (hoje HUB) nos anos 70, parece ter sido transmitido com sucesso para eles. No máximo, expelem uns catarrinhos aqui e acolá herdados dos processos alérgicos paternos. 

Quem sabe fosse mais administrável ser vulnerável no físico, porém resistente no espírito. Mas, como toda pessoa que não sabe o que é isso, tenho alma de tísica. Padeço de angústias, de poesias, de tédio profundo pelo ordinário. Penso que se ocupasse meu tempo com seriedades, não caraminholaria idiotices com tanta frivolidade. 

Porque está claro que não quero sofrer de nenhuma doença exposta levianamente nesse texto nem  de quaisquer outras, oxalá. Tenho um pouco de neurose ao imaginar que Deus, quando decidir mandar algo pra mim, não será nada menos do que fatal. 

Tá vendo? Mente insana num corpo sano. Mas tô escrevendo tudo isso a fim de sensibilizar o Criador para uma troca justa: minha insônia incurável por uns três, quatro resfriados anuais. Topa? 



Comentários

  1. Só tu mesmo, Lulu! Achei a proposta final ao Criador justa! Tomara que Ele tope! :)

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  2. Amei esse texto, um de seus melhores! Eu era a irma saudável. Minha irmã sempre doente... Eu não tinha tolerância com ela. Não entendia pq ela tinha que ficar na cama. Eu não entendia a febre dela, ficava brava... Quando vamos brincar?

    Evelyn

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  3. Essa fala é bem sua Lu, adorei!!! Sou muito resistente tb a esses vírus, bactérias e ites, mas em compensação, a provação desta vez foi pra lascar...trocaria por uns dois processinhos ao longo do ano.
    Beijo . Namastê!
    Cynthia

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  4. Pois eu confesso que acho este monte de licença médica um amontoado de frescura com esperteza!

    Eu ficava tão P da vida com meu marido dizendo que tinha sinusite, que um belo dia convenci o médico a pedir a tomografia para ele. E o que deu? NADA!!!
    Mais um hipocondríaco na face da terra.

    Eu fico resfriada, estou com uma tosse terrível há mais de um mês, fui ao otorrino e descobri que estou com o ouvido todo congestionado e nem por isso entreguei os pontos.

    E não é porque eu queira ser funcionária padrão não viu?

    É que eu levo este negócio de doença a sério. Espero que a meningite, que quase me matou aos 4 meses de idade, tenha sido a doença mais grave que vou ter na vida.

    Ser forte é bom Luciana... Alguém tem que carregar o piano dentro de casa né? (risos)

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  5. Luciana do céu!! Esse texto seu foi até engraçado!!

    Mas não diga uma coisa dessas não mulher!!: "Sei lá, queria sofrer de enxaqueca pra ser bem mulherzinha. Labirintite ou de dor na lombar: mega fashion. Ou talvez de endometriose, miomas, ovários policísticos, cólicas menstruais excruciantes, hipo/hipertireoidismo e outras enfermidades tão comuns ao gênero feminino"

    Eu tenho saúde. Mas também não é lá essas coisas. Tem alguns pontos fracos.
    E acho a saúde tão importante! É aquela estória: enquanto a a gente tem, não dá valor. Mas na hora da "ziquizira", você pensa: eu era feliz e não sabia.
    Qualquer dorzinha ou mal-estar, por menor que seja, perturba muito!!

    Quando eu era criança, eu achava estranho a importância que os adultos davam à saúde: "Se está com saúde, está tudo bem". Então, sejamos gratos pela nossa saúde!!

    Falando de mim: Vc sabe que eu gosto muito de correr. Faço isso a mais 30 anos! Pois bem, considerando-se o final de Dezembro (2013), e começo deste ano - período em que viajamos - e mais uma semana depois do retorno, passaram-se uns 50 dias, nos quais eu não corri. Daí, na primeira corridinha que fiz, senti os dois joelhos. Coisas de DNA (Data de Nascimento Antiga).
    Diagnóstico: nesse período, perdi musculatura e isso fragilizou as articulações.

    Estou fazendo fisioterapia, e espero voltar a correr em algumas semanas.
    Mas, quando o problema no joelhos se apresentou, pensei que poderia acontecer que eu nem pudesse mais voltar a correr. E, te confesso, isso me deprimiu um pouco. Fiquei bem chateado. Pois é claro, a gente sabe que o passar do tempo vai nos impondo limitações fisiológicas. Mas, o fato é que nunca estaremos preparados para aceitá-las.

    Pois bem, parece que o meu problema não é tão grave. Com a fisioterapia, semana que vem recomeço os treinamentos, bem de mansinho.
    Mas, me conscienteizei agora que nunca vou poder parar de fazer a musculação - o que não aprecio muito. Porque, o que acontece é que, com a idade, a perda muscular é rápida, e a recuperação é lenta. Como disse, são coisas do DNA. Com as quais terei que conviver, a cada dia, um pouco mais.

    Voltando a você, feliz de você pela sua "fortaleza" saudável e a dos meninos!
    E não se impaciente como Bernardo não. O pior que pode acontecer é ele se sentir mal por isso, uma vez que não há muito o que ele possa fazer pra mudar.
    Sugiro que você o motive a se cuidar. Dentro daquilo que ele possa fazer pra melhorar a saúde.
    Mas não se engane: "tem saúde frágil", mas talvez ele enterre todos nós, "mais saudáveis".

    Um beijo, e bom fim-de-semana pra vocês.
    Paulo.

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    Respostas
    1. Bom-dia, caro, Paulo Magno!!

      Mas é claro que eu sou grata a minha boa saúde!! O texto é mais uma ironia e uma confissão de arrogância por não ter paciência com quem não é saudável como eu. :)

      Quem viu a mãe morrer de câncer como eu vi, claro que não quer adoecer jamais. Ainda mais com tanto sofrimento.

      E agora o Samuel, que ficou totalmente dependente da respiração mecânica... Eles não consegue desentubá-lo. Todos os outros indicadores estão ótimos, mas tentam tirar o tubo e a oxigenação vai pro espaço. A situação não sai desse impasse e a equipe médica já não sabe o que fazer, pois não consegue encontrar uma saída. Tá muito difícil...

      Ah, claro, o que tem de gente saudável que morre antes: minha mãe, por exemplo. A mãe do Bernardo: obesa, sedentária, com apneia etc e tal já vai pra 81 anos...

      Por isso disse no texto: tenho medo de que Deus me mande uma doença fatal para que eu fique mais humilde. Mas espero que não, que ele se apiede de mim!

      Beijão,

      Lulupisces

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  6. Te dou agora mesmo uma dose de rinite crônica,com direito a ter que puxar o ar dos pulmões com muito esforço prá não morrer sufocada ou naufragada em secreções e uma chatésima dor lombar!!
    Ah, não precisa me dar nada em troca viu!! rsrsrsrsrs
    Saude!
    Bjs!

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  7. Ri com o seu texto sobre saúde de ferro... a minha é assim também... a última vez que fiquei com tosse foi durante a gravidez da Helena... aí me automediquei com nebulização com Atrovent e Berotec e ganhei uma bronca do obstetra.... O saldo bom foi que nunca mais dei essas coisas para o Inácio... dá uma taquicardia uau!

    Beijo,

    Carmem Cecília

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