Não se faça de rogado!




É urgente parar de criar tantas regras pessoais, caso contrário chega um momento em que você está soterrado por elas. Inatingível, você sucumbirá na solidão. Profético e sombrio? Não, real. É preciso ser cada dia mais leve, peso pena para os que estão ao nosso redor.

A velhice, por si só, é intransigente. Ela não tem dó das nossas articulações, das nossas vistas, dos nossos ouvidos. Por que, de modo deliberado, não ter compaixão pelos que estão à nossa volta ao encarcerarmo-nos de senões, interdições morais, frescuras e impasses?

Outro dia, clicando pessoas a esmo na tentativa de capturar o natural das gentes nas suas labutas, ouvi: Jamais!! Não tire foto minha! Eu só tiro foto maquiada e arrumada! No primeiro momento, com a câmera em punho, acreditei que se tratasse de um ataque de charme básico. Afinal, todos nós queremos sair bem em todas os cliques do universo. No entanto, era fato. Ela realmente não se deixou fotografar e ficou muito irritada. O que faz uma pessoa criar uma regra pessoal desse porte? O que essa máxima castradora pode lhe trazer de benefícios?

E assim somos. Vamos amadurecendo e ficando podres sem que ninguém nos colha e desfrute de nossos sabores impensados. Preferimos ser maçãs sem brocas, perfeitas como a que iludiu a Branca de Neve, sem perceber que estamos nos interditando para a vida que, a priori, é feita de buracos. Melhor, então, ter tração nas quatro rodas do que insistir na versão luxo. Não é tranquilo, eu sei, o conforto vicia. Entretanto, a cobrança dele é a rigidez. E a mim me basta a artrose no cotovelo direito.

Não pretendo criar barulhinho de areia na mente. Atrito de osso com osso, desgastando dia após dia. Quero a maleabilidade da geleia de mocotó. Ser massinha de modelar nas mãos afoitas da criança divertida. Tudo o que a gente ouve por aí são histórias de velhos chatos, insuportáveis, que merecem mesmo é ser esquecidos num asilo. Os parentes aturam por razões humanitárias ou por alguma espécie de culpa, uma vez que o próprio nada faz para não ser intransigente. Para não ser obtuso e facilitar a vida de toda a família.

Não, não quero ser esse tipo de velhota. Tenho noção que a terceira idade é a pior delas, mas não preciso martirizar os mais jovens porque sou eu quem estou velha. Minha mãe tirou de letra essas rugas todas. Sentia-se contente num fusca ou numa camionete high lux; num pardieiro ou num hotel cinco estrelas. Topava qualquer parada sem exigências complexas além do simples prazer de curtir o momento. Sinceramente, era libertador! Para ela e para nós, seus filhos e netos.

Eu pretendo usar a sapiência da minha mãe como um mantra desde já. Para quando eu estiver lá na frente, não ter carregado comigo um monte de pedras que me arrastam para o fundo. Que eu não seja uma afogada em desespero, levando todos para baixo junto comigo e o meu azedume recheado de sine qua nons.

Contudo, é primordial se autoavaliar na busca diária da simplicidade. Chega de gessos desnecessários! Chega de se dar tanta importância! Não, não é fácil. Por isso, estou escrevendo essa aposta, pra ficar registrado. Tô colocando a cabeça a prêmio. Esse texto é pra mim, não fique constrangido. Mas, se a carapuça servir, não se faça de rogado! 
 


Comentários

  1. Saber envelhecer é para poucos...já começo a sentir as manifestações da terceira idade, achava que estava tão longe...e já bate na porta, espero como você, tirar de letra, boa sorte para nós e nossos filhos e netos.

    Renata

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  2. Tive pouca convivência , mas pelo pouco tia Maria transmitia uma leveza em viver. Tem uma música Envelhecer do Arnaldo Antunes que diz : "Eu quero é viver pra ver qual é e dizer venha pra o que vai acontecer."

    Simone.

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  3. Amei! Tb quero fazer essa aposta comigo mesma!

    Noêmia.

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  4. Luciana,

    Comentei com minha mãe sobre o que escreveu sobre sua mãe, tia Maria. Achei uma declaração de amor inspiradora . Minha mãe comentou : Que você era a filha mais carinhosa e presente para com sua mãe.Só o que chamou atenção ao ler seu texto foi: .velhos chatos , insuportáveis , que deveriam mesmo é estar esquecidos num asilo. Li, reli , tentei entender as, fiquei matutando e penso que idosos jamais seriam chatos e, sim, informadores de histórias familiares.

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  5. Prima Simone,

    Deveriam, mas nem sempre são, não é mesmo? Não podemos idealizar nenhuma fase da vida. Algumas pessoas envelhecem com o que elas têm de pior e não de melhor. O texto é para a gente refletir sobre isso: como vamos envelhecer? Cheios de arrogância ou humildes? Facilitando a vida de quem nos rodeia ou infernizando nossa família? Mamãe foi sábia, ela era leve. Pena que quis o destino tirá-la de nós tão cedo... Ela seria uma velhinha de 90 anos cheia de atitude e simpatia. Mamãe não tinha tempo ruim. Eu quero envelhecer assim. Espero que consiga!

    Beijos e obriga por compartilhar suas ideias. Um beijão pra tia Divina também!

    Lulupisces.

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  6. Então sou felizarda cara prima Luciana, fiz um trabalho com idosos em um centro de convivência, e conheci pessoas que não tinham nada de chatos , mas tinham muito a oferecer. Só fiquei assustada quando ia abracar e alguns deles falavam : Você vai me abracar...eu sou velho(a)!!!Eu respondia: Para abracar não tem idade não!!!Não comentavam mas dava para perceber que ele não recebiam um abraço a tempos...espero ser uma velhinha que queiram me abracar...Beijos..e continue sempre a escrever gosto de ler o que você escreve.Escrever não tem hora e não tem idade!!!

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