Popularidade zero





Enfado. Já estava grande e ontem veio a pá de cal: o texto de reflexão da aula de yoga (que anda me extenuando atualmente) afirmava: “As pessoas estão cansadas de palavras”. Era só o que faltava, viu? E agora, o que é que eu faço? Ainda mais quando concordo com elas: nem eu aguento mais meus textos egocêntricos. Reparem bem no emprego do pronome possessivo. 

Hoje eu queria ser designer de produtos. Ou pintora. Ou melhor: escultura. A escultura é algo tão fisicamente complexo que consumiria toda a minha angústia. Mas angústia de quê? Do de sempre. Do dia após dia, das horas. Das rugas que insistem em se proliferar abaixo do meu pescoço. O que farei sem usar decote em V? 

Um monte de celebridade dizendo que os 40 são o auge da mulher e eu tentando descobrir. Deve ser o tal ponto G da juventude... Não tô com essa bola toda não. E a cada mês, mais loura, pois mulher não envelhece: fica platinada. Acabou: me transformei na piada idiota. 

Ah, ranhetice, sai do meu pé, chulé! Tudo isso por que é aniversário do Mário Quintana e você está experimentando vivenciar sua existência pelo olhar de um velho ardido? Sim, acho que o grande traço de identificação de Quintana comigo é o humor áspero beirando ao mau humor. Sua delicadeza escondida em palavras cruéis. 

Quando grávida de Romulito, torci tanto para que ele escolhesse nascer em 30/07. Um leonino do dia de Quintana. Sabia que o apressadinho não iria chegar ao mundo na data prevista: 06/08. A médica já me informara que o menino era grande e não esperaria tanto tempo para ganhar a liberdade. Mas aí ele pintou o sete no dia 27/07/07. Tá bom, tá lindo do mesmo jeito. Ou até mais cabalístico, se da cabala fosse. 

Quintana é o meu primeiro grande amor poético. Com ele, descobri que podia escrever poesias sem rimar. Sempre achei chatinhos os sonetos do Vinícius, mesmo reconhecendo a imensa qualidade lírica de todos (vou queimar na fogueira montada pelos fãs do cara, eu sei). Não sou doce. Não sou arfante. Nunca desenhei milhões de corações numa página do caderno enquanto perdia a aula de trigonometria. Enfim, não sou propensa a morrer de amor. 

Sou mais lunática, visceral e ácida. Portanto, Quintana passou a ser o meu alter ego. Depois veio a Hilda Hilst e outros tantos. Porém, esse gaúcho de Alegrete foi mesmo a porta de entrada para que eu me aventurasse a escrever loucuras sem podas. E a ler mais e mais poesia. 

Confessar o pecado abissal de não amar Vinícius, tão fundamental, rima com o fato de eu não gostar de cães. Resumindo: popularidade zero. Só faltava eu dizer que não vou com a cara do Papa Francisco, mas, não estou tão limão galego assim. O papa é sorridente e simpático. E por causa dele acabei encontrando um importante cabelo em ovo (Deus escreve certo por linhas tortas). 

Recebi do primo-irmão amado uma tirinha que mostra dois cachorros conversando: 

- Você viu o Papa? 

- Não. Sou uma cadela sem religião. 

- Como você se chama? 

- Laica. 

Morri de rir e de inveja de gente que sabe ser bem humorado sem complicar nada. E aí recordei que a primeira cachorrinha com quem eu convivi se chamava Laika (todo mundo já deve ter tido uma quatro patas com esse nome). Mas,aí, fui além, claro! A Luciana masoquista que futuca a espinha até ficar com o rosto marcado, sabe? 

A Laika era da minha irmã Vanja. Aliás, todos os cachorros que passaram lá por casa eram dela, a veterinária frustrada e a irmã caçula frustrada, que perdera o reinado após nove anos para mim, a raspa do tacho. Sofri tanto assédio moral e tanto bullying doméstico que os praticados na escola não me provocaram nada mais do que cócegas. 

Então é isso. Eu não devo nutrir afeição e alegria por cães porque eles estão intrinsecamente ligados à figura da irmã má da Cinderela. Ou provavelmente um charuto é apenas um charuto. Pelo menos foi essa a resposta do primo após ler o meu e.mail-terapia. 


Comentários

  1. Bravo!!! adorei e ri pra caramba,o seu humor é ótimo Lu, hilário...por favor não leve o tema da aula muito sério,hein? não pare de escrever...as "suas palavras" têm uma frequência elevada,é inteligente e tem uma projeção de alto alcance, em nossas emoções, nos proporciona reflexões, tem nostalgia, tem tristeza, tem amor, tem humor, um humor delicioso...não leve a vida tão a sério, afinal, palavras são só palavras...
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  2. Lu,

    como vc já sabe, gosto muito dos seus textos. É sempre um prazer lê-los.

    Bjks,
    Bruna

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