Cenas Portenhas

As carnes argentinas continuam suculentamente as mesmas... Entretanto Buenos Aires, quanta diferença! Talvez nenhuma para quem não tenha visto a capital portenha como eu tive o prazer de ver em 1997. Era a minha primeira vez no exterior e tudo, obviamente, me deslumbrou. Buenos Aires era a Europa mais perto da gente. Paris com preços acessíveis em época de inflação galopante.

Minha melhor (e única) amiga argentina: la dulce Mariana

Depois voltei à cidade em 2006. Estava grávida do caçula, mas sabia. Todavia a sensibilidade feminina aguçada já estava correndo no meu sangue... E continuei achando tudo lindo e maravilhoso. Ou ainda mais charmoso e agradável, apesar de vislumbrar alguns mendigos que em 1997 não existiam. Buenos Aires era mesmo motivo de orgulho para os portenhos. Metrópole de primeiro mundo.


A inesquecível El Ateneo. Entre as dez mais lindas livrarias do mundo

E agora em 2012 tudo está bem mais real. Os argentinos vêm enfrentando crises atrás de crises. O  cenário de deslumbre começa a mostrar sinais de cansaço. Muitos moradores de rua sob as marquises, vendedores ambulantes nos semáforos, sujeira, pichações. Buenos Aires está perdendo a fleuma lentamente. Cada dia mais decadente, mas segura a onda, a pose altiva. Digamos que hoje a capital está mais para Carmen Maryrink Veiga do que para Coco Chanel.

Baires enquadrada na varanda do 14º andar do apê da Mariana

Isso não quer dizer que Baires (achei tão cuticuti esse apelido dado pelos moradores que saiu da boca da minha melhor amiga argentina) não valha a pena ser conhecida ou revisitada. Adorei minha terceira viagem para lá. Mas fico pesarosa e preocupada com o destino desta cidade tão especial. Afinal, os brasileiros já viram esse filme ser produzido em suas próprias capitais. A degradação do espaço público; a violência que passa do bater carteira para o assalto à mão armada; a perda de controle por parte das instituições...

Os portenhos AMAM los perros!!!

Enquanto eu me refastelava pelas calles arborizadas da Recoleta, com as folhas de maple colorindo o chão, Brasília levava um tiro nas costas em plena Asa Norte. Numa lanchonete que eu gosto de frequentar. Poderia ter sido eu ali, comendo com meus filhos. Essas coisas não aconteciam na capital da república brasileira. Essas coisas ainda não acontecem nos bairros elegantes de Buenos Aires. Mas pelo andar da carruagem, não demora muito a ser manchete nos jornais.


Não é El Ateneo. É o majestoso Teatro El Colón

Mas deixemos de pessimismo e falemos de amor. Baires é pura milonga. Parece que a cidade dança aos nossos pés. Rodopia em cada esquina marcada por prédios de arquitetura romântica. Em Buenos Aires, até os clichês são perdoados. Por isso, você não pode perder os dançarinos de tango das ruas. Sempre um deleite sensual admirar essas instalações em movimento. Interferência urbana da melhor qualidade.


Numa noite gloriosa, chega ao fim o balé Carmen

Você também pode aproveitar um passeio à cidade para bater o recorde de consumo de sorvetes da sua vida. O sorvete é uma instituição porteña assim como as mulheres de vermelho destruindo corações ao som de Carlos Gardel. Arrisco a afirmar que não há helados ruins em Buenos Aires. Mas meu paladar foi fisgado, definitivamente, pelo sorvete de mascarpone com frutos del bosque da Chungo.

Mi hermana e yo: grandes companheiras de viagem
Tudo não poderia estar mais perfeito... Depois de um bife de lomo + purê de papas com rúcula no Las Doritas (recomendo), em Palermo Hollywood, alcancei o quarteirão ao lado para saborear o rico helado. Simplesmente divino!

Entrada do Museu Evita Perón

O sonho se desfez no momento em que começou a tocar Michel Teló na sorveteria. "Delícia, delícia, assim você me mata" podia até combinar com a minha sensação tomando aquele sorvete. Entretanto comecei a sofrer de indigestão e fugi correndo dali. Caramba, cada coisa que o Brasil exporta ultimamente... Experimentei também os sabores da Persicco e da Volta. Ambas heladerías muito bem cotadas na cidade. Mas fico com a Chungo, sem Michel Teló, por supuesto!

Falou e disse!

Falou e disse II!
Buenos Aires é, de fato, uma metrópole cosmopolita. E a maior prova desta afirmação é que você pode ir para a cidade pela terceira vez e não repetir nenhum passeio feito anteriormente. Esta era a minha proposta e mi hermana, que debutava na capital portenha, topou.

Os bonsais nos dão as boas vindas ao Jardim Japonês!
Não estava na pressão para conhecer nada. A ideia era caminhar, curtir, sem estresse de turista afoito. Então fiquei de bobeira caminhando pelas calles... Mas nos rendemos a lugares deliciosos como o Jardim Japonês e o Rosedal, ambos no bairro de Palermo, que tem duas subdivisões batizadas com altas doses de colonização: SoHo e Hollywood. Ai, ai, uma cidade tão única com Baires podia existir sem essa, não acham?

Um dia perfeito de outono...

Em Palermo também está cravado o Museu Evita Perón, a deusa-mor do Olimpo argentino. Curti conhecer o espaço, que funciona num casarão bem bacana. Legal ir para lá tomar café ao ar livre no charmoso restaurante contíguo e mais tarde entender um pouco mais da história desta figura mítica arrebatadora.

Quero ser ponte, não muro...
Cheguei à conclusão óbvia de que ninguém é mesmo um lado só. Evita não podia ter sido apenas uma puta que se deu bem. Se ela realmente escreveu aquelas frases alardeadas nas paredes do museu, era uma mulher, no mínimo, bastante inteligente. E pôs seu charme a serviço de causas justas como o voto feminino. Nada como rever alguns conceitos...

E água limpa que corre entre os obstáculos

Porém, o ponto máximo desta visita à Baires, além de rever Mariana e garantir que nossa amizade é revigorante como o bom vinho que tomamos até às 4 da manhã de conversas animadas, e de conhecer Biva, a amiga da minha irmã que tão bem nos acolheu eu seu refúgio porteño, foi assistir, enfim, a um espetáculo no El Colón.

O cenário da espera...
Acalentava esse pequeno desejo desde que entendi que eu seria uma artista frustrada. Consegui comprar os ingressos aqui no Brasil, pela internet, e fomos, mi hermana e yo, na noite da grande tempestade que assolou Buenos Aires, conferir o balé Carmen, inspirado na ópera de mesmo nome.

Não sei quem é mais hermosa, mi hermana ou las rosas...

O mundo caindo lá fora e nós protegidinhas lá dentro, curtindo todo aquele esplendor. Mas fica aqui um alerta: não comprem ingressos na primeira fila de nenhum dos setores!!!! Há um guarda-corpo (após reforma completa do apartamento, o léxico arquitetônico evolui bastante) alto que impede a gente de ver o espetáculo. É patético, mas é verdade.

Rosedal de abril

Passamos toda a apresentação com as costas fora do encosto. Duas horas e meia de contorcionismo. Coincidência ou não, na primeira fila só tinha brasileiro... Os desavisados que acharam estar no melhor lugar... Gato por lebre, entende?


A beleza deste lugar desfalece a gente!
Todavia, a coreografia contemporânea fazia a gente esquecer qualquer desconforto. E a orquestra tocando ao vivo os acordes de Bizet arrepiava! Senti-me realizada. Agora, da tríade das melhores acústicas do mundo, só falta o Teatro Alla Scala de Milão!

Exemplo da arquitetura parisiense de Baires. Esta é a Embaixada brasileira


Mais deslumbres arquitetônicos...
As calçadas arborizadas e aprazíveis da Av. Alvear
Sábado na Recoleta é ferveção jovem

Nossa Senhora del Pilar, rogai por nós!
Um típico portenho. Nada mal, ahã?
Outros típicos portenhos. Nada mal, ahã?
Tango é tango. Ponto final.
Um clique assim salva as melhores recordações
E esse foi à altura dos quadrinhos do Milo Manara...

Comentários

  1. Oi Lu,

    Excelente o texto!

    Beijos,

    Bernardo.

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  2. Obrigada por nos brindar com tamanha beleza. Q-u-e b-i-b-l-i-o-t-e-c-a d-e-s-l-u-m-b-r-a-n-t-e!!! Muito me agrada simplesmente tudo...rs.

    Bjs
    Patty

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  3. Adorei a foto enquadrada no andar 14! Muito boa! Que lindo que curtiu... E sua irmã, já chegou???

    Besos,

    Mariana.

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  4. Que barato esse texto,deu uma geral legal de Baires, que não conheço...adorei ver Mariana e tive uma "invejinha" de não estar lá compartilhando esse vinho até as 4 da matina.Grata sempre por nos proporcionar uma leitura inteligente e sempre muito prazerosa.bj.
    Namastê!
    Cynthia

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  5. Que legal isso de "Baires" :) Delícia de viagem, hein? Ah, que bom que você conseguiu ir no Colón, quando eu estive na cidade, no réveillon de 2006, eu tentei entrar nem que fosse para uma visita rápida, mas o teatro estava fechado para reformas... Pelo menos quando eu for comprar algum ingresso, já estarei mais do que bem advertida quanto à surreal primeira fila de lá! Ótimas fotos! Um beijo, Débora

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