Ensaio sobre a tietagem




"Sentimental eu sou, eu sou demais.
E sei que sou assim porque assim ela me faz..."
(Altemar Dutra)


Tenho duas amigas amadas em Curitiba, outra em Juiz de Fora. Cinco em Nova Iorque, duas na Alemanha, uma alma gêmea em Buenos Aires. E ainda uma no Rio, Floripa e Sampa. Queria que todas estivessem ao alcance do meu abraço real, mas algumas partiram daqui. Em outros momentos, fui eu quem parti. Mas que bom que existe internet e facebook. E a gente se ama à distância, se reverência e perpetua os laços apesar destas vidas de borboleta, pousando aqui e acolá.

Não me perguntem porque eu estou escrevendo isso. Na verdade, uma dessas amigas, a que levou suas cores para Curitiba, me confessou que foi vizinha do Manoel de Barros em Campo Grande/MS. Todavia, apesar da proximidade física, ela nunca teve coragem de ir até a casa do poeta ao lado, importuná-lo com tietagem explícita.

Eu respondi dizendo que jamais iria perder uma oportunidade destas. Mas a gente perde sim. Perdi com a Fernanda Montenegro, por exemplo. Porque os admirados às vezes nos intimidam. A gente sempre acha que não tem nada a dizer a alguém tão soberbo. E então me lembrei desse texto escrito há tempos e agora, enfim, posto por aqui:

Estava a uns cinco metros dele e nada. Não tive coragem. Amarelei. Este processo de ver em carne e osso pessoas que idealizamos, pessoas que realizam grandes obras, é tão esquisito. Não é simplesmente ser fã histérica, querer autógrafo, dar beijo e tirar foto. É uma espécie de reverência, de devoção. Paralisar porque se está frente a frente com alguém que lhe tocou fundo por meio de uma história, de uma ideia ou atitude.

Tá tudo aqui, impresso na carne. Por isso não deu para fazer nada a não ser olhar para ele: Giuseppe Tornatore. O cara fez “Cinema Paradiso”. O que eu podia dizer para alguém que criou um dos melhores filmes de todos os tempos?

Eu consegui abraçar a maravilhosa poetisa Adélia Prado duas vezes! Foi o ápice da minha vida de tiete até hoje. Ela pediu que eu não chorasse (até parece). Adélia faz poemas sublimes que me viram do avesso. Não chorar não estava nos meus planos. Derrubei o muro da inatingibilidade e me aproximei.

Participei de um workshop com outra escritora, a Elisa Lucinda. Tiramos fotos juntas, fiz um poeminha inspirado no curso... Ela é bastante acessível, apesar de irascível. Coisa de celebridade, mas digamos que Elisa pode – um pouco. Ela também é boa no que faz e eu tiro o chapéu para quem sabe escrever com autenticidade.

Fico pensando no que aconteceria se eu tivesse tido a honra de me encontrar com Drummond ou Pessoa... Provavelmente o gato teria comido a minha língua temperada com alecrim. Não me sentiria à altura de falar qualquer coisa decente para os deuses supremos do meu altar literário. E para Gandhi?  Van Gogh? Scliar? Tolstoi? Guimarães Rosa? Cora? Lygia? Mozart? Renato Russo?

São tantos... Seres humanos únicos em seus talentos indescritíveis. Só me resta pedir que continuem a me influenciar e iluminar. Não cabe aqui nomear todos os meus ídolos, se é que eu os tenho, viu Manoel de Barros? Tá Clarice? Não fiquem com ciúmes, Kurosawa, Pollack e Susan Sarandon, Meryl, Chaplin, Capote, Audrey, Allen... Maria Bethânia, Quintana, Ian McKellen, Wenders, Cartola, Noel, Beatles, Bill Waterson, Quino...

Tornatore estava em Brasília divulgando a nova produção: “Baaria”, que ele próprio definiu como o outro lado da moeda de sua obra-prima. Quase por acaso fui convidada para a pré-estreia da película no antológico Cine Brasília. Todos parlando Italiano, língua bonita, sonora e melodiosa que me parece mais próxima do Português do que o Espanhol. O coquetel estava uma delícia. Pessoas elegantes, descoladas e interessantes. E o Tornatore tirando fotos para a posteridade.

Ele não é imponente. Ele é um Woody com mais charme: franzino, de óculos e careca. Mas não cheguei muito perto. Fiquei de longe a observar o criador daquela magia inesquecível. Não rolou um sonhado aperto de mão. Mas, cá para nós, o tal do “Baaria” não tem nada de Paradiso a não ser a decantada Sicília e famílias grandes e barulhentas.

Achei o filme pouco inspirado, uma tentativa barata de copiar a fórmula que fez sucesso. Isso prova:

1- que Tornatore é humano e erra.
2- Quem inventa tem uma relação estreita com o equívoco.
3- Só quem se arrisca a colocar uma ideia criativa em prática no mundo sabe que pode se enganar.

Na próxima, quem sabe, ele nos apresenta um outro “Malena”? Algo tão perfeito como “Nouvo Cinema Paradiso”?

Pelo menos, passei o fim de semana envolta nas memórias do menino Toto e do velho Alfredo. Coloquei a comovente trilha de Ennio Morricone no CD do carro para que meus filhos se encantassem com aquelas músicas doloridamente sentimentais. Atravessamos a ponte JK quando as luzes da cidade se acendiam. Estrelas ao alcance dos olhos.

As vulgares e abjetas imagens da alta cúpula do governo do Distrito Federal recebendo boladas de dinheiro tentavam estragar o programa entrando no meu HD. Mas eu as afugentei como naquele comercial: “xô neura, vai embora daqui”. Deixe-me sonhar que a terra em que nasci ainda é feita de monumentos à utopia mais genial.

Fingi que tudo não passava de ficção e queimei os fotogramas da perversidade. Que eu entre na sala escura do cinema e não saia de lá enquanto estes vilões povoarem o mundo.

Música-tema do post:



Comentários

  1. Oi Lu,

    não a considero nem um pouco maluca por expor suas ideias e experiencias, ao contrário, sempre admirei pessoas autênticas.

    Talvez corajosa seja o termo mais adequado para definir pessoas como você. Parece que nos tempos modernos há uma espécie de maldição canhestra na qual temos que ser tudo e não podemos ser nós mesmas.

    Então, busca-se a aceitação por meio de modelos de ideia, beleza e comportamento, numa mal disfarçada sensatez.

    Quem não se enquadra acaba se sentindo no limbo social: nem doido de ala psiquiátrica, nem barbie perfeita numa sala VIP.

    Gostei do blog e o visitarei sempre que possível!

    Beijos,

    Katja.

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  2. Pois é, eu não fui encontrar o Manoel... Foi exatamente uma questão de inibição por excesso de admiração. E dizem que ele é super acessível, só se corre o risco de ele desconectar da conversa com a criatura humana e se ligar no mosquito voando, bolar um singelo e belo poema e - tchau!

    Bjs,

    Ana Cristina.

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  3. Luzinha

    Obrigada pela parte que me toca...rs.

    Quando se findou o monólogo da Fernanda Montenegro, fiquei pensando durante aqueles minutinhos decisivos: tento falar com ela ou vou embora, vou embora ou tento falar com ela... com a Bruna teria mais coragem de ir, mas... a timidez me venceu (como sempre, né?). Já melhorei muito nesse quesito, a vida exige isso, só que, se eu tiver tempo prá pensar, acabo não fazendo...

    Bjs
    Patty

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