Querem um sonho?

Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar. Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. Ela olha o mar, é o que se pode fazer... 

 (Clarice Lispector)

Foi a pergunta que eu fiz para as meninas no quintal da tapera. Rebocos caindo aqui e acolá. Um sol de verão alumiava as nuvens baixas. A estrada de terra sacolejava o espírito de aventura. Insisti pela descoberta da praia. No caminho, comprei um sonho de padaria. Um sonho com cara de ontem. Mas um sonho. Quem não quer?

No carro, ninguém se interessou. Meninos de cidade grande não veem muita graça em sonhos caseiros esquecidos na beira da estrada. Mas eu fui nutrindo o meu, de conhecer aquela praia que ouvi falar tanto tempo atrás. As praias, que bom, nunca me desapontam. Se elas me chamam, tenho certeza, é porque precisam de mim assim como eu delas.

Porém no caminho urgia perguntar os destinos. Encruzilhadas diversas para despistar os menos aguerridos. A casa anunciava o côco gelado. Um bar capenga e miserável. Uma mulher sofrida com cara de ontem. Não tinha nada para lhe dar além daquele sonho. Todavia é tudo o que podemos almejar: doar sonhos bons, de vida mais farta, com menos barro duro quebradiço e poeirento.

Vislumbrei as curuminhas lá no quintal. Batiam qualquer coisa uma na outra. Um som surdo de chamado urgente. Querem um sonho? Sorrisos de dentinhos alvos e gulosos se abriram para mim. Queremos!!! Ainda bem que era um sonho grande, gordo, doce, grudento, idílico de boas intenções. Dei satisfeita o meu para elas e seguimos em frente.

Muitas curvas e fazendas verdejantes de bois depois chegamos à Ponta do Corumbal. Lugar quase esquecido pelos homens. Foi a segunda ou terceira vez na vida que senti aquela punhalada no estômago, como se houvesse levado soco do Anderson Silva. A mais emblemática delas foi no Grand Canyon. Ali, pensei que não iria recuperar o fôlego jamais.

Diante do sublime, só nos resta a prostração boquiaberta. A beleza do Corumbal é solene. Vontade de me petrificar em posição flor de lótus e meditar até o sangue se transmudar naquele verde cristalino. O paraíso é aqui e não lá em cima. As marolas me levitavam, desapareci. Desintegrei.

Quis virar concha e estrela do mar que catei em suas areias mornas e finas (eu disse que as praias nunca me desapontam). Reverenciei a melhor farinha de trigo, aquela especial: soltinha e branca. Essa que molda os sonhos mais gostosos da gente.

P.S.: Fico, por enquanto, devendo as fotos. Esquecemos a máquinha na Reserva Ecólogica do Una. Mas, graças ao bom Deus, já foi reencontrada e deverá estar em nossas mãos em breve, com todas as fotos de mais umas férias fenomenais da família Zéprépré.

Comentários

  1. Legal!!!
    Deu vontade de conhecer... como um bom apaixonado pela natureza, e pela beleza gratuita que ela fornece gentilmente... senti até o soco do Anderson Silva na sua narração!
    Como foi a viagem?
    Foram a Itacaré?
    Fui de Ilhéus até Itacaré de moto pela areia da praia com a Ana na garupa!
    LINNDOOOO!!!
    Saudades da Bahia!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Bjs,

    Rodrigo.

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  2. Ah, Luciana....
    Se, um dia, eu atender a conta da Faber Castel não vai ter pro Toquinho: você vai estrelar a campanha institucional da marca.

    Você e esse seu jeito de enfeitar as coisas, deixar tudo mais colorido e bonito.

    Semprei fui tarado em sonho de padaria.
    Experimente comprar um sonho de ontem, já começando a endurecer e deixá-lo por 23 segundos no microondas em potência média.
    É o nirvana.

    Beijos.
    Bem-vinda de volta mesmo.

    Valdeir Jr.

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  3. É, Lu,

    É verdade, seu blog é extenso, sim. :-))
    O que posso sugerir para o pessoal é o seguinte: Vamos ler minha, gente!!!

    Bj
    Marcita

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  4. Oi Lu,

    Tdo. bem? É verdade: eu já ia escrever para saber por que você havia sumido.

    Feliz 2012 para vc. e sua linda família.

    Beijos,

    Cecilia

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  5. OLá Lu!!!!
    Feliz 2012!
    Saúde, sorte, sucesso, proteção, cuidado, amizade, cumplicidade....
    E tantas outras coisas que alegrem seu coração!
    Muita energia para começar bem o ano!
    Bjs!!
    Mando um poema que fiz esse começo de ano... Ano passado, pedrinhas que rolam... Esse ano, conchas bivalvas que se largam no oceano e um dia se encontram...

    Encontro

    Fato é que as conchas nascem em duplas.Destino de uma é completar envoltório da outra. Mas, não são iguais,são unidas num ponto,que compartilham mutuamente:cada uma cuida de um lado.cada uma protege uma parte. cada uma expõe uma face. Conchas são encontros arredondados de almas.Almas que tem dentro, almas que tem fora.E é no interno que se descobrem.Lá, seus fluidos conversam, seus tubos se ligam, suas estruturas se tocam.E é no externo que as cores descrevem suas formas e seus veios contam histórias de oceano.Histórias de espuma e areia... E mesmo que uma concha se despregue da outraE percorra o mar sem fim da vida, almas marcam encontros no tempo... que aguarda esse acontecimento...

    Ana Lúcia Daru

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  6. Seja bem-vinda, amiga! Que bom que voltou, vc faz falta.
    Bjs.
    Alceir.

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  7. Olá Lu muito bem vinda...que saudades...quero saber onde fica essa praia...quero fotos...bjão!
    Namastê!
    Cynthia

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  8. Linda metáfora essa da farinha de trigo e os sonhos. Eu quero esse tipo de sonho também! Bjs, Débora

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  9. "Vontade de me petrificar em posição flor de lótus e meditar até o sangue se transmudar naquele verde cristalino. O paraíso é aqui e não lá em cima. As marolas me levitavam, desapareci. Desintegrei. (...)Quis virar concha e estrela do mar (...)" Que lindo, Lu! Fico feliz por vc ter vivido momentos tão especiais assim. bjo grande
    Isa

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