Corações dispostos


Simone é o nome dela. Não temos nada em comum a não ser nossos registros profissionais e nosso local de trabalho. Ela é taurina apegada ao detalhe até a perfeição. Garantida, pé na terra. É doce, gosta de doce. A gente nunca se desgostou, não é raro? Tem gente assim: um achado que vai lado a lado sem arroubos, mas também sem percalços. Almas que nos fazem bem só por estarem por ali, ao alcance de um abraço ou sorriso. 

Pois Simone me mima. Pra onde viaja me traz um agrado. Tem sempre um regalo para me surpreender quando menos acredito que vale a pena toda aquela máquina de tortura chamada rotina de trabalho (no caso do serviço público a expressão se aplica tão bem...). O gesto me comove porque não entendo Simone lembrar de mim assim, pelo afetuoso gesto de lembrar.

Ela já foi minha chefe. Hoje, um andar nos separa. Mas na mente dela tem um lugarzinho para mim, veja só: para a pisciana avoada, de roupas multicoloridas e pensamentos delirantes. Simone não me julga, eu acho. Ela deve gostar de mim justamente por eu representar a  persona diária da menina maluquinha. Assim como eu tenho afeto por ela porque Simone é a personificação do porto seguro.

"Lucchi, não tem jeito, quando eu vejo uma coisa do Pequeno Príncipe, eu tenho que comprar pra você!". E lá vem ela com outro tesouro inundado de satisfação de presentear. Taí, descobri algo em comum com a Simone: o prazer de encontrar mimos para as pessoas, de regalar. 

Dessa vez fiquei sem graça porque nesse fim de ano eu estava tão sem dinheiro, tão sem tempo, tão esgotada, que abri mão da gentileza sem perceber. Não fiz meus cartões de Natal de papel, não liguei para ninguém desejando boas festas e tudo de bom, não dei presentes além dos óbvios. Saí do alcance do radar, engolida pelas urgências do mês.

Minhas amigas mais antigas, acostumadas com provas de amizade, estranharam. Reclamaram. A Márcia do Rio me mandou um email levantando a hipótese de nossa relação ter mudado. A Balbina de Floripa me arrancou do quase sono depois das 11 da noite numa reclamação sentida com todo o direito. Obrigada! 

É gratificante saber que tenho corações dispostos a me demonstrar o valor da amizade mesmo quando eu não mereço muito. Afinal, a gente se torna responsável por aquilo que cativa. Esse é o meu lema, sempre foi. Às vezes até pegando pesado demais, cobrando demais. Agora já trafego em águas menos revoltas. Não dá para atacar de mãe de todo mundo, certo?

O presente da Simone me fez recordar a embriagante exposição “O Pequeno Príncipe na Oca”, de 2009. Esperei esta mostra com muita expectativa. O livro é o xodó pelo qual sou ridiculamente apaixonada – tem outro modo? E fico revoltada com quem acha que a história dele é boba. Duvido que todas as misses que dizem ter lido a obra realmente tenham entendido este monarquinha. Caso contrário, não estariam num concurso de beleza. Há coisas mais interessantes para se almejar na vida, não é não?

Eu sei que milhões de pessoas devem discordar do meu ponto de vista, pois ser modelo é a versão pós-moderna para um "mundo de glamour". Entretanto acredito que falta aos jovens entorpecidos por passarelas e capas de revistas, sentido mais lúdico e criativo para suas passagens pela Terra. E é disso que o “O Pequeno Príncipe” fala: da possibilidade de criar, de conhecer outras paragens. De ultrapassar a fina linha da aparência para alcançar a essência. Esta, sim, fundamental para uma existência fecunda.

Stop na filosofia barata. A exposição foi mesmo de tirar o fôlego. Não poderia haver lugar mais apropriado para montar a história de vanguardismo e audácia de Antoine de Saint Exupéry, o Zé Perry - como ficou conhecido aqui no Brasil pelos que o viram decolar e pousar o avião transportando correspondências - do que a Oca do Niemeyer. Tudo a ver. A exposição ocupou os quatro níveis daquela bola oca, que parece um planeta, e se transformou no asteróide B612.

A mostra também trouxe um painel da trajetória do sonhador e destemido piloto de avião que teve vida com cara de roteiro de cinema. Todo o mapa das aventuras que Zé Perry experimentou em tempos instáveis, numa profissão mortífera para a época, estava disponível ao visitante: fotos, textos, frases, desenhos originais, acervo, a pulseira dele "pescada" no litoral da França, o que nos faz deduzir que seu avião realmente caiu perto de casa.

Aliás, para mim, o avião não caiu ou foi abatido. Depois de tudo o que eu li sobre Zé Perry na exposição, cismei que o escritor cometeu suicídio. Porque sabia que estava velho e doente (com o corpo alquebrado por vários desastres aéreos) e não poderia mais pilotar. Aquele voo a trabalho seria o último. Que outro lugar melhor para morrer do que nas asas do mistério? “A coragem é apenas a soma de um pouco de raiva, um pouco de vaidade, muita teimosia e um prazer desportivo banal”, afirmou.

Durante as horas que passei imersa naquele universo de fábula, me confundindo entre uma criança encantada e uma adulta chorosa, vi as capas do “O Pequeno Príncipe” em várias línguas diferentes, desenhei um carneiro, pisei no planetinha do meu amigo de cachinhos loiros e observei o céu repleto de planetas projetado no teto abaulado da Oca, deitada ao lado da rosa única e amada da personagem mais tocante da literatura infantil. 

Não sabia que o escritor de “O Pequeno Príncipe”, de quem eu também li “Voo Noturno”, era tão idealista e cativante. Um homem que fez amigos por onde passou, evitou conflitos e tinha alma de criança e a integridade de viver suas convicções emocionais e políticas. 

Taí, eu queria ter conhecido este cara, viu? Dos meus, um chapa, um brother que veio ao mundo com esta missão: manter aceso o príncipe que existe na maioria das pessoas (infelizmente não é pra todo mundo). “Já estudei todas as possibilidades e cheguei a uma conclusão: minha ideia não é realizável. Só nos resta uma solução: realizá-la”. Falou e disse, fantasminha camarada!

Comentários

  1. Lulu, fiquei emocionada como ue voce escreveu... eu idealisei e realisei a exposição na Oca, e o que voce conseguiu extrair de lá me garantiu: Valeu a Pena!!!!

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  2. Oi querida Luzinha, bem vindíssima ao seu próprio Blog! rs.

    O foco do seu post não é exatamente a rotina do seu trabalho, mas você a mencionou e quero fazer disso um link com o que vou dizer. Eu estou aqui ainda sob os ecos do meu curso de Oratória (é, fiz esse cursinho de férias da Estácio de Sá) e amei! Estou me "jogando", dando minha cara a tapa (lembra que já falamos sobre isso?) e lá fui eu posar de oradora para uma platéia de recém-conhecidos (eu e meus colegas tivemos esse exercício, o de expor algum assunto lá na frente, já que o curso era de oratória, né? rs). Foi ótimo e aprendi várias técnicas da arte de falar bem e também de como controlar aqueles sintomas de ansiedade na frente do público. Bem, o curso foi realmente ótimo, principalmente graças a quem o ministrou. Uma super professora, apaixonada por lecionar, encantada com cada aluno, vendo beleza e riqueza em nossas palavras, em nossos relatos de vida, enfim. E nos dando um riquíssimo retorno também, comentando sobre o que observou em cada um de nós e até dando-nos uma aula sobre a arte de viver mesmo. E mesmo com toda essa experiência não se trata de nenhuma senhora idosa, não, ela tem a nossa idade! Sabe aquela pessoa apaixonada e por isso apaixonante? Pois é. Ela é formada em Letras e soube aproveitar muito o vasto campo que o trabalho com a língua portuguesa nos proporciona. E também é professora de literatura. Aí está o link que quero fazer. Você deveria ter se formado em Letras, Luzinha, daria uma ótima professora de literatura!!! De preferência para universitários, claro, cabeças um pouco mais pensantes, amadurecidas (alguns, ao menos, mas haveria). Você estaria bem mais distante da rotina, enriquecendo-se com as experiências diárias na interação com os alunos, falando de Drummond, Adélia Prado, Machado de Assis, Guimarães Rosa...até o infinito! rs. Estudando, pesquisando, fazendo mestrado, doutorado, phd!

    Bom isso é só uma reflexão, algo que me fez pensar mesmo, acho que esse caminho teria muito mais a ver contigo, com a sua essência criativa (e ainda há tempo, hein?). Claro que seria loucura deixar o STJ a essa altura do campeonato, mas quem sabe amanhã?

    Think about!

    Beijos
    Patty

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  3. Amada Pattygirl,

    já estava com saudades dos seus comentários. É, eu sei. Eu deveria ter mesmo seguido a carreira acadêmica, não ter abandonado o curso de Antropologia... Não sei se eu seria boa professora, pois não tenho nenhuma paciência, Aff Maria!!!:)Mas engraçado você dizer isso... Há uma conspiração nesse sentido, sabe?:) Ontem estava vendo aquele filme bobinho e legalzinho: Larry Crowne e a Julia Roberts faz o papel de uma professora de faculdade um tanto rabugenta e desencantada, mas que, no fundo, adora dar aula. O Bernardo disse que parecia comigo.

    E no fim do ano eu saí com umas amigas do Ceub e elas me disseram que eu deveria dar aula. Que eu parecia professora e teria muito a ensinar para os publiciotários e jornalistas. Será? Vou começar a pensar seriamente nessa possibilidade... Mas preciso encarar o mestrado. Já tenho pós, mas para dar aula é bom ter mestrado ao menos, né?

    Eu também já fiz um curso de oratória. É bem instigante mesmo!

    Dar aulas... Taí: pode ser a saída criativa que eu tanto sinto falta...

    Obrigada por seu amor e carinho,

    Luzinha Lulupisces.

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  4. Lucchi,
    A emoção ao ler suas palavras ou seriam a essência das conchas, as valiosas pérolas, foi inevitável!!! Uma das homenagens mais lindas que recebi. Sim, porque foi assim que me senti: homenageada! Creio que ela esteja ai numa quinta posição. Concorrendo com a primeira que foi dada por Deus, minha vida!!! Em segundo o amor dos meus pais que me deram primeiro um nome: Simone, mas creio q apenas para traduzir tudo que sempre me doaram, a própria vida deles! Em terceiro, uma música composta pela minha metade da concha, meu querido Ronaldo. A quarta são minhas pérolas!!! O nascimento, o sorriso e as declarações de amor dos meus sobrinhos, principalmente do Mateus q já está no melhor dos planetas, o planeta céu!!! Ele dizia que o amor dele por mim era do tamanho de um avião que atravessava o céu pra lá e pra cá váaaarias vezes! E agora você ocupa o quinto lugar na editoria de homenagens da minha vida! E não pense que
    a quinta posição é menos Lucchi,
    Não. Ela esta exatamente onde deveria estar. Ela está no lugar certo e chegou na hora certa. Hora de arrancar lágrimas por ter uma PESSOA como amiga. Por ter Luciana "maluquinha" ou não por perto!!! Não. Ela esta exatamente onde deveria estar. Ela está no lugar certo e chegou na hora certa. Hora de arrancar lágrimas por ter uma PESSOA como amiga. Por ter Luciana "maluquinha" ou não por perto!!! Ah, talvez nosso lado externo seja diferente, mas só para tirar a dúvida, gosto de você pelo seu lado interno da concha!!! Bjuuus, Simone

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  5. Claro que não é menos importante, Simonovsky! Me sinto profundamente honrada por fazer parte da sua seleta e amada galeria de afetos.

    A homenagem é verdadeira, cê sabe. Que bom que gostou!!

    Abraço fraterno (sempre)

    Lucchi.

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  6. Lu, só que acho que fiz uma bagunça...
    Ao tentar colocar no blog (sabe que minha intimidade com essas "novidades" é zero, né?)
    copiei trechos e colei duas vezes... por favor, organize para mim.
    No e-mail também está assim.

    Mas, pelo menos deu para você entender.

    Fiquei mesmo muito emocionada!!! E o Ronaldo também.
    Até a Raíssa já leu e falou: tia muito legal ter uma amiga assim.

    bjos,

    Simone Aragão
    Coordenadora de TV/STJ
    (61) 3319-8079/3319-8270

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