A melancolia e a mochila preta


Delego à falange partida a culpa pela malemolência que me invade. Saí da Bahia, mas ela se esqueceu de sair de mim. Estou indolente ou dormente, como a ponta do meu dedo médio que acabou de tocar a tecla E. Meu ano ainda não começou, deve ser isso... 

Mas hoje meu Tomás voltou às aulas em escola nova. Tudo diferente para ele, que bom, mas nada muito novo para mim. Estou melancólica. Talvez pelo filme de mesmo nome assistido no escurinho do Cine Brasília na noite de sábado. Que pancada! O clássico jeito de fazer cinema europeu ainda não sucumbiu à pressa da vida real. Não sei se é boa ou ruim essa constatação. Não, é boa. É sempre instigante existir centenas possibilidades de se contar uma história. Mesmo que esse jeito seja chatinho ou cabecinha.

Todavia eu curti o filme. Lars Von Trier não ameniza, não adula. Admiro. Mas meu filho saiu da escola pública e isso me deixou um pouco triste. Uma utopia que chegou ao seu The End. Foi feliz, pois ele aprendeu e conviveu com a diversidade e a simplicidade, princípios que preso sobremaneira. Mas seria mais legal se ele continuasse lá e de lá pudesse extrair tudo o que uma escola de qualidade pode dar. Estava ficando difícil... 

Tomás começou a fazer parte de uma minoria na escola pública: alunos brancos, classe média, com cultura geral razoável, férias na praia, festas de aniversário e morador da Asa Sul. Não coloquei meu filho na escola pública para que ele se segregasse com dois meninos de formação similar a dele. Para que ele se destacasse como "bem nascido". Era para ser exatamente o contrário. Mas à medida que as séries foram avançando, meu filho estava cada dia mais isolado no contexto, na dinâmica da instituição. Uma ilha de "oportunidades" cercado de estatísticas previsíveis por todos os lados.

Espero que a escola particular que agora acolhe meu filho (Leonardo da Vinci), seja gentil com ele. Espero que ele continue a estudar com negros (vai ser difícil), brancos e outros tons de pele. Que seja o menos burguesa possível (vai ser difícil). Menos competitiva, alienada e "higiênica" possível (vai ser difícil). Não gosto de paraísos artificiais. Qualquer relação com shoppings centers, condomínios fechados, videogames e resorts não é mera coincidência. Cenários que me dão mais calafrios e engulhos do que prazer. 

Engraçado como escrever te leva para onde você não espera. Quando comecei a teclar, não conseguia pensar em nada além da falta de assunto para postar. E daqui a pouco já estava adentrando nesse tema tão complicado... Mas meu filho também me deu mostras de que a infância está mesmo cada dia mais curta. Indo para a escola pediu, com a parcimônia de sempre: "mamãe, no ano que vem eu posso ter uma mochila toda preta?" 

No ano que vem ele ainda vai ter oito anos em fevereiro, mas já está crente que paga mico com "mochilinha coloridinha de criança". Ó, estamos todos perdidos nessa sociedade que mata a infantilidade sadia. Uma revolução industrial ao contrário. As crias "bem nascidas" não precisam trabalhar, mas mandam e desmandam, abusando dos desejos de consumo adultos. A gana de existir sem inocência; de saber de tudo, de se expor na vitrine do mundo... 

É, acho mesmo que a melancolia me pegou de jeito. Mas não vou baixar a guarda. Sonhei com minha mãe quase todos os dias das férias. Ela estava serena, suave e alegre em todos os nossos encontros oníricos. Não sou espírita, mas creio de fato que se tratavam de mensagens diretíssimas para mim: toque a sua vida! Seja feliz! Pare de se lamentar por mim! Não coma tanto chocolate porque eu não vou voltar de jeito nenhum desse lugar bacana onde me encontro! Você está melhor do que nunca, minha filha! E é verdade, mamãe.

Janeiro foi leve, promissor, apesar de um dedo quebrado. Sinto-me lânguida, mas pronta para viver mais um ano. Meus 41, que já estão aí, sem tempo para fugir ou me deprimir. A nova idade urge ser apreciada: sem pressa, infantilmente. 

Comentários

  1. Seja feliz! Pare de se lamentar por mim! Não coma tanto chocolate porque eu não vou voltar de jeito nenhum desse lugar bacana onde me encontro! Você está melhor do que nunca, minha filha!

    Sera que agora voce acredita que sonhos carregam mensagens para serem levadas a serio? Escuta a sua mae e por favor seja feliz!!!

    Evelyn

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  2. Nossa, e eu que passei por uma trilogia hiper-drepê: "Melancolia" me deixou melancólica, claro (e com quem eu me identifiquei sobremaneira foi com a mulher do astrônomo; também ficaria de 5 em 5 minutos medindo o afastamento ou a aproximação do planeta através daquele aro... que gastura!). Imendei com "Anticristo" (também do sádico Lars) e aí quis me matar de vez, mesmo sem fim do mundo. Mas não sem antes assistir ao pesadelístico e não menos angustiante "Tideland", dessa vez realizado por um outro torturador de massas chamado Terry Gilliam... e o pior de tudo: Eu gosto dessa maluquice toda!!! rsrsrs. Pode marcar minha internação para amanhã, tá?
    Adoraria ter ido a um debate sobre o filme. Vc foi? Deve ter sido show!

    Quanto à mudança de escola de Tomás, é mesmo triste, mas, fundamental. Agora, eu não me adaptei ao Leonardo da Vinci no 1º ano do ensino médio...lembra que inventei de estudar lá depois do Notre Dame? Corri para o Setor Leste no ano seguinte e, no sentido oposto ao do percurso de Tomás, pela primeira vez estudei numa escola pública. Foi um alívio. Mas Tomás é criança e aí é outra história. vai se dar muito bem! Acho que tive problemas porque não passava de uma adolescente melancólica... certo, Lars?

    Beijos
    Patty

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  3. Oi, Loozinha! Se a tia Maria volta eu não sei, mas seja feliz e você está melhor que nunca, sábias palavras, dela, suas ou das duas, também não sei. Beijo.

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  4. Oi aMáda,

    sim, todo livro de crônica é irregular. Tirando as crônicas da Clarice e do Drummond, que esses são monstros sagrados e sempre dizem coisas indizíveis de outro modo.

    Tomás parece ter curtido a escola. A professora se chama Diana, o que é um bom sinal. Eu sempre gostei desse nome: Diana, a deusa caçadora. Queria que a Marina, minha sobrinha, se chamasse Diana. É um nome forte, de personalidade. E ainda conheci uma Diana na minha adolescência que era a essência da pessoa doce e legal.

    Ontem eles só fizeram algumas dinâmicas de grupo, essas coisas. Tomás disse que não tem nenhuma menina bonita na sala dele. KKKKK

    Vou ler da Martha esse Trem Bala. Cê me empresta? Agora estou numa entresafra danada. Não sei o que ler... Tudo que tinha aqui em casa eu já li... Alguma boa sugestão de romance para me emprestar?

    Mamãe não me disse nada daquelas coisas nos sonhos. Eu deduzi. Num deles, o mais emblemático, mamãe está decidida e feliz da vida porque vai casar e se mudar para outro país. A gente arrancando os cabelos porque ela vai abandonar todos e ela dizendo: "Não adianta, já tomei a minha decisão". O semblante era o mais divino possível. Fiquei impressionada com esse sonho porque acredito que ela foi mesmo para outro plano, um plano bem superior e que não vai voltar a me encontrar em sonho tão cedo. Ela estará ocupada com sua elevação espiritual, eu acho. Tivemos nossa despedida por enquanto. Foi engraçado, pois seu sonhei com ela quase todos os dias mesmo. Não era exagero.

    Bem, é isso.

    Um megabeijo,

    LOo.

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