O centauro voltou para o céu

Sei que prometi fotos e postagens sobre as peripécias no Recife, mas deixo o domingo, dia normalmente já um tantinho melancólico, para homenagear Moacyr Scliar, grande escritor, cronista, analista irônico e sutil dos sentimentos mais viscerais dos homens. 

Foi com tristeza que soube da sua internação e hoje descubro que faleceu. Novo, na idade da minha mãe. Poderia escrever ainda por uns dez anos, no mínimo. Assim como minha mãe poderia estar sorrindo entre nós por mais uma década. Perdas insubstituíveis. Maria, só para a intimidade. Scliar, para a literatura brasileira e, quiçá, mundial, pois o médico-escritor foi traduzido em vários idiomas.

Aproveito para agradecer ao Lulu1, Luiz, quem me presenteou com o meu primeiro exemplar de Scliar: "Saturno nos Trópicos". Foi amor à primeira revelação. Depois, vieram "O centauro no jardim", "A mulher que escreveu a Bíblia", "A orelha de Van Gogh" e "Manual da Paixão Solitária". Sem contar a leitura das inúmeras crônicas publicadas no Correio Braziliense. Todas as obras um barato! Um insight! Um prazer!

Fica aqui meu abraço já saudoso para Scliar e a sugestão de leitura. Tenho certeza de que não vão se arrepender de experimentar.

Amanhã será outro dia, mais alegre e fotográfico. Portanto, voltem!

Comentários

  1. Há pouco tempo em sala de aula refleti com os alunos sobre a crônica "Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar" (com a qual me identifico tanto como mãe que agradeço a homenagem), de autoria deste tão próximo autor. Sua ida é uma pena, realmente...


    MINHA MÃE NÃO DORME ENQUANTO EU NÃO CHEGAR

    O título desta crônica foi tirado de um samba do grande Adoniran Barbosa: um rapaz explica
    à namorada que “não posso ficar mais nenhum minuto com você/sinto muito, amor, mas não pode ser”, porque a mãe não dorme enquanto ele não chegar.
    De maneira geral, pais não dormem. Podem deitar, fechar os olhos, podem até roncar - mas
    na verdade não estão dormindo. Quando os filhos são pequenos, estão atentos a qualquer chorinho, a qualquer gemido: quando os filhos são maiores, ao contrário, é o silêncio que os mantém despertos: o ominoso silêncio do quarto vazio: o filho ou a filha não estão, foram a um aniversário, a uma festa. Que terminará... Quem sabe quando termina uma festa de adolescentes? Para eles a vida é uma festa permanente, na qual o relógio é um corpo estranho.
    Enquanto isso, os pais esperam. Poderiam não estar esperando, claro; poderiam ter dado a
    chave ao filho ou à filha. Mas dar a chave é um gesto simbólico para o qual os genitores nem sempre estão preparados, e que, de qualquer modo, não garante um repouso reparador: este só pode ter início depois do abençoado ruído da dita chave girando na fechadura.
    O que fazem os pais enquanto esperam? Uns fingem dormir. Outros rolam na cama,
    inquietos. E há os que se levantam e vão preencher estas horas, que afinal são parte de sua vida, com algo que alivie a ansiedade, e que seja útil. Conheço uma senhora que usa esse tempo para ler a Enciclopédia Britânica; já está no volume 16 e ainda não recuperou a tranqüilidade. Há um pai que vê
    todos os filmes do madrugadão; segundo ele, uma noite dessas o James Cagney o mirou na tela e disse: “Vai dormir, rapaz! Já estou farto de te ver aí todas as noites!”
    Mas os pais não dormem. Como Macbeth, eles ouviram a ordem fatídica: “Sleep no more!”
    (ainda que, diferente de Macbeth. Eles não tenham culpa alguma; ou talvez tenham: quem sabe o que se passa no coração dos pais?). Seu suplício nada tem a ver com a idade do filho. Amigo meu, divorciado, voltou a morar com os pais: precisava de um tempo para se recuperar do trauma. Um tempo
    que ele teve, contudo, de abreviar - porque, cada vez que saía, a mãe lhe dizia: “Não vá voltar tarde, meu filho!” E, cada vez que o programa noturno estava a ponto de gerar um romance, ele se lembrava da mãe acordada, a esperá-lo, e voltava. A insônia dos pais é eterna e incurável.
    (SCLIAR, Moacyr. In: Revista 2H, Jornal Zero Hora. Porto Alegre, RS. 25.41993. p. 3.)

    Beijos,

    Patty

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  2. Amadíssima Patty,

    que maravilhosa essa crônica do Scliar!! Essa eu não conhecia. Obrigada! Adorei a contribuição, que só enriquece a homenagem a tão caro escritor. Pobre de nós, pais e mães... Cê sabe que eu comecei a ter problemas de sono exatamente depois que o Tomás nasceu? Pois é, acabou-se o sossego!:)

    Beijão,

    Luzinha.

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  3. A caligrafia do cara já tinha me conquistado e quando tive um vislumbre do homem, numa deliciosa entrevista no Roda Viva, fiquei fascinado também com a pessoa.
    Vai fazer falta.

    Beijo,

    Valdeir Jr.

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