Esse texto foi escrito em 2009 e publicado no blog do Vicente, no Correio Braziliense. Mas, ao receber o email da amiga Débora falando da "importância do brega", decidi republicá-lo no meu querido blog. Como esse, são cerca de 40 outras histórias que ainda preciso trazer para cá.

Então, aguardem o meu flashback, que será feito em gotinhas, misturadas ao mar de escritos novos.

Enjoy!

Nas asas do amor

Escute essa canção, que é pra tocar no rádio, no rádio do seu coração. Você me sintoniza e a gente então se liga nessa estação...
Deixa eu penetrar na tua onda, deixa eu me deitar
na tua praia...Que é nesse vai e vem, nesse vai e vem,
que a gente se dá bem, que a gente se atrapalha...

(Moraes Moreira)

Encontro de casais, terapia de casais... Estas alternativas sempre me pareceram o fim da linha para os casamentos. Quando já não existe conserto tenta-se a “lanterna dos afogados”. Mas não é que meu marido e eu acabamos participando de um workshop melosamente chamado “Voando juntos”? E não é que foi legal? Taí, mais um preconceito caindo por terra. Caramba, como a gente faz pré-julgamento das coisas e criar barreiras idiotas para complicar a vida, não?

Meu casamento não está desmoronando, se bem que qualquer um que esteja há 16 anos com outra pessoa pense seriamente em divórcio, vejamos, umas três vezes por semana. Mas o encontro de duas noites foi recompensador. Primeiro, porque meu marido quis participar. Vocês já imaginaram um cientista dogmático, racional ao cubo, que chama a semana pedagógica da universidade de semana “pegajósica”, voluntariamente se propor a interagir com outros seres humanos desconhecidos conduzidos por uma psicóloga? Pois é, foi o primeiro milagre deste Natal.

Segundo, porque foi divertido e emocionante. Assistir aos “meninos”, como a psicóloga os chamava, “verbalizando” seus sentimentos, era de cozinhar o coração. Homens falando sobre sua intimidade são eventos tão raros de se presenciar que deveriam entrar na lista de atitudes em extinção. O mundo está mudando...Havia pares de várias faixas etárias e de diversos tipos de relacionamento: casados, namorados, vivendo juntos...Todos dispostos a dar um tempo a si mesmos. A olhar nos olhos do seu bem e dizer EU SINTO MUITO POR...VOCÊ ENRIQUECE A MINHA VIDA PORQUE...EU CONTINUO ESCOLHENDO VOCÊ PORQUE...

Soa piegas, mas a correria da rotina, a presença de filhos demandantes e o próprio compromisso de estar ao lado de uma mesma pessoa por tanto tempo podem nos fazer esquecer que ali não está um boneco, um manequim ou um objeto que já faz parte da decoração, e sim uma pessoa, com sua individualidade, necessidades e desejos. E como geralmente somos pares de homens e mulheres, estas necessidades e desejos são tão dispares em cada um quanto a diferença de gênero pode ser.

Sem bem que não se iludam: os casais gays também padecem de angústias semelhantes; descompassos: um quer sexo, o outro está em baixa. Um está super bem na carreira, o outro frustrado, e por aí vai...Por isso, estes encontros de casais são sim uma boa oportunidade para conversar, para ter coragem de dizer coisas que ficam sob o tapete.

A terapeuta usou a metáfora do sótão: “O amor está ali, entretanto debaixo de centenas de cacarecos empoeirados e sem uso que o relacionamento acaba entrando no modo automático”. A gente acaba esquecendo, afinal, porque resolveu se casar com aquela figura que agora nos irrita constantemente por ser exatamente aquela figura. Mas você já sabia que aquela pessoa era aquela pessoa. O que mudou? Sei lá, eu sempre achei que esse lance de casamento fosse mesmo uma maluquice que alguém inventou para pegar os desavisados.

Mas eu também quero que dê certo porque é ruim ser sozinho. Vejo amigas, pessoas que estão aí vagando pelo mundo sem que ninguém as tenha escolhido. Sem que elas próprias tenham sido tocadas pelo amor que faz uma pessoa cometer a loucura de viver junto. Isso não deve ser nenhum pouco divertido.

Porém, viver a dois é um constante exercício de concessões, de luta pelo poder para manter nossa individualidade, nosso espaço, nossas manias, nossa autonomia...Uma balança que precisa estar mais ou menos equilibrada. Ninguém no casamento é maior ou menor. A aliança precisa ser de forças equânimes para não esmorecer.

E qual é a lição que eu tiro destes dois dias em que voltei a olhar para o meu marido como aquele cara que eu conheci no Cine Brasília? Que devemos brincar mais, “embregar” a relação, se tal verbo existir. Esforçamo-nos tanto para nos tornar mais cultos, mais sofisticados, mais elegantes, mais conscientes com o planeta, mais admirados por nossos colegas de trabalho, mais sérios e respeitáveis que esquecemos que “todas as cartas de amor são ridículas”. Que o relacionamento precisa daquela verve patética e palhaça que escondemos no tal sótão, morrendo de vergonha de parecermos frágeis e bobos.

Escrever EU TE AMO com batom no espelho do banheiro? Podre! Colocar uma faixa na entrada da quadra dizendo “Meu Grudinho, você é a minha razão de viver!?” Deus me livre! Ir ao show do Fábio Júnior? Nem pensar! Gravar um CD com romantic songs do Air Supply e Bee Gees? Blergh!!

OK, OK, estou pegando pesado nas opções bregas, mas é preciso ter coragem de ser romântico. De colocar nosso sentimento profundo na vitrine. Talvez esteja aí o X da questão: pesquisas apontam que quem tem menos estudo faz mais sexo. É aquele velho papo de não ter televisão em casa, tá ligado?

Então, menos literatura de alta qualidade, menos série do momento, menos mestrado e doutorado em 2011! Porque para dar e receber amor não é preciso nem concluir o ensino fundamental. E o melhor: é livre de impostos e taxas. Arrisquemos-nos, pois.

Comentários

  1. Eu sabia que ia adorar o texto! É bem essa a vibe do clipe do Sidney Magal :) Acho que a vida é boa demais para querer limitá-la a uma coisa só. Tem espaço pra tudo: pro Mestrado, pra série do momento e para os maios desavergonhados derretimentos também (sem bem que "Meu Grudinho"... kkk). O amor mais divertido - para com família, amigos, namorado, marido - não tem o menor problema de ser brega, e ainda bem. Bjs! Débora

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  2. PS. Mas tem um trecho que eu tinha esquecido de comentar antes. Eu acho que ruim não é ser sozinho: é estar em desarmonia. É estar num lugar querendo estar em outro. É estar consigo querendo estar com outro, achando que só assim tem sentido. Ou é estar com alguém querendo estar sozinha. E, mesmo tendo a consciência, de uma forma ou de outra, ruim é se conformar, como se a vida sempre não nos desse muitas opções. Opção de que possamos nos abrir mais - para ter a sorte, quem sabe, de viver um relacionamento bacana. Opção de mergulhar mais em si - para viver a sorte, quem sabe, de se sentir inteira consigo mesma. Bjs, Débora

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