Vicissitudes

Pellanda, escritor curitibano que acabo de conhecer, diz que passarinho é matéria indefectível de crônicas geralmente bonitinhas. E as baratas, seriam inspiração para o esgar inimaginável?

Deve ter entrado pelas janelas escancaradas no terceiro andar. O calor até então desconhecido para os habitantes da cidade, também lhe acometeu da pior maneira.

Quedou-se, serena ou esgotada, sobre a esquadria branca. Quem primeiro notou a presença dela foi a gata, que começou a saltitar, indócil. A felina escalou os objetos do chão rumo ao teto crente que alcançaria o bote fatal.

Acompanhei o intento e dei de olhos com ela. À certa distância, minha miopia divisou apenas um ponto escuro em destaque na alva moldura.

Ó, uma cigarra desgarrada da sua árvore-natal!

Aproximei-me desarmada e se tratava de uma barata. Sem poética, sem canto, muda, repulsiva, horrenda. O asco de sua presença tomou a casa inteira de assalto. Fugi dali em pavoroso grito.

Alguns minutos de histeria coletiva deram lugar à reação. A inominável recebeu dose de veneno sem piedade. Israel contra a Faixa de Gaza.

Mas o fantasma do ignóbil inseto certamente voejará por angustiantes noites de dúvidas:

e se houver (outro) amanhã?

P.S.: Me recuso a ilustrar essa postagem com qualquer imagem do inseto supracitado. A única coisa que salva a barata de sua monstruosa existência é o nome que tem em espanhol: cucaracha.

Atena-Ártemis

Não quero o entendimento cartesiano do mundo,

mas o fluido, metafísico

como árvore profunda dentro

vicejante fora.

Raízes complexas, copa acolhedora.

A menina sem árvore genealógica,

dos parentes apagados pela carência da memória,

cria das lacunas

a própria história.

Quero voar fincada na terra, com os pés descalços.

Livrar-me, de vez, 

da agonia da fragilidade destes pilares mal edificados.

Também quero mãos que não apenas escrevam.

Procuro uma manufatura sensorial

não pensante,

pulsante.