Ternuras







Tudo o que estava precisando, então, era tomar (uma injeção) na bunda. Médico bom é isso: lhe brinda com elogios aos seus cabelos, diz para não se culpar tanto (parte do tratamento) e lhe aplica uma injeção de felicidade instantânea. Ele disse para eu lhe contar como estaria daqui a dois dias. Bem, digo hoje: estou me sentindo energizada como há tempos não experimentava. Que drogas foram essas, dr. Edgar? Não me importaria de levar uma picadinha dolorida dessas toda semana.

Daí acordei às 5h30 da matina naquela disposição típica dos 20 e poucos anos. Fui atrás de uma missão que vinha adiando: caçar, entre os guardados afetivos e profissionais, todos (todos nada, tenho pilhas e pilhas de papéis, cadernos e agendas em um armário gigante na garagem da sogra) a cópia do livro infantil que escrevi, lindamente ilustrado pela amiga Isa Frantz. A ideia é resgatar esse projeto para ser publicado pela Editora Confraria do Vento (editado pela preciosa Karla Melo), com a qualidade e zelo que só eles têm.

Das buscas surgiram, claro, outros tesouros valiosos. Todos os cartões postais que Bernardo e eu enviamos para os meninos quando passamos 18 dias conhecendo a Alemanha. Ah, como é doce recordar, encher a alma daqueles sentimentos vibrantes de estar em outro país e de estar com saudades dos pequenos (tô precisando de férias deles de novo, por sinal) KKK!

Reencontrei cartões de Natal recebido por tantas pessoas queridas. E desenhos que os meninos faziam para mim quando eu era a mulher mais incrível da vida deles. (Hoje eles só reclamam da mãe chata que têm).

Espalhada em meio às pastas, envelopes, fotografias, recortes de jornais e revistas, textos impressos e copiados à mão que me tocaram fundo, textos meus que eu não me lembrava de haver escrito, aparece lady Frida para dar uma forcinha e se posta – mo-nar-qui-ca-men-te – em cima deles. Só rindo mesmo desse comportamento canino/felino para chamar a atenção. 

Tomás acorda e flagra o momento com uma foto. Bernardo acorda e tira outra. Romulito acorda e eu mostro os postais que ele não se lembrava de haver visto, afinal, tinha apenas 1 ano e pouco de idade quando fomos à Alemanha e à República Tcheca, para horror da avó materna Maria, que achou absurdo “abandonarmos” os filhos tão pequenos. Mas com uma avó incrível e uma tia-avó mais incrível ainda chamada Leila, a dupla ficou muito mais bem cuidada do que por uma mãe à beira de um ataque de nervos exauridos. Como bem dizia minha amada dindinha: “Vá mesmo, minha filha, se eu tivesse idade, eu mesma cuidaria dos dois. Você não vai esperar ficar velha como eu para começar a viajar pelo mundo”.

Sim, ela estava certa, quase sempre estava. Quem optou pela maternidade tardia não pode perder a chance de pegar a estrada enquanto tem alguma energia física. Sem falar que nunca sabemos quando a traquinas morte vai bater à nossa porta.

Às sete da manhã, estavam os meninos relendo os postais em voz alta. Não queriam que eu registrasse, mas como resistir a esse momento família-margarina tão inspirador? Convenci os aborrecentes porque, afinal, nunca sabemos quando a traquinas morte vai bater à nossa porta. (Ela, a minha sombra melancólica amiga). Antídoto: memórias ternas que nos alimentam nas ausências do amor visível.

Comentários

  1. Adorei o seu relato, mas você não foi mãe velha não, sua disposição diante da vida não consigo te imaginar velha. Agora férias dos rebentos sempre é bom em qualquer época da vida. Férias sempre são bem vindas sempre faz bem e reaviva as emoções. Família de fotógrafos essa.

    Renata Assumpção

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  2. Todo o relato é animador - alimentar-se bem das lembranças - mas Frida e suas patolas gorduchas e a tal injeção...

    Ana Cristina Aguiar

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  3. Viva o dr. Edgar!

    Ângela Maria Sollberger

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  4. PUTZZZZ!!!!
    Adorei o texto.Simplesmente espetacular. Claro que tem que escrever livro, só com esse pouquinho já fiquei bem curioso.
    Feliz Natal e boa viagem!!!!

    Edgar Alves de Alencar

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