Confessionário





Ontem conversava com a minha sogra sobre o assunto. Disse a ela que religião deveria iluminar as pessoas, não emburrecê-las. Mas, infelizmente, o que vemos é o indivíduo crer que a fé dele, de foro íntimo e personalíssimo, deve ser imposta, transferida para os outros, mesmo que a fórceps. Daí todos os fanatismos que culminam em carnificinas desde as Cruzadas ou antes (me desculpem pelas imprecisões acerca de um tema que não é muito do meu agrado).

Cresci dentro da igreja católica, literalmente. Passava meus fins-de-semana entre a São Judas Tadeu e a Catedral Metropolitana de Brasília. Minha madrinha era quase uma beata, devota do santo cuja a imagem herdei. Entretanto, não me lembro de atitudes catequizadoras por parte dela. Dindinha sempre respeitou minhas escolhas, respeitava também a anarquia de mamãe. Quanto mais envelheço, mais percebo o tanto que essa velha preta me ensinou. 

Nunca tive preconceito religioso de nenhuma ordem. Já frequentei terreiro de Candomblé, culto batista, gospel do Harlem, templo budista, comunhão espírita, sinagoga. Falta uma aproximação com o Islamismo. Apesar de já haver visitado algumas mesquitas, jamais participei de cerimônias.  Mas foi rica a convivência com os vizinhos muçulmanos do Quênia, que trouxeram cheiros, véus e sabores para o prédio e já deixam saudades.

Meus filhos afirmam que sou "a mais religiosa aqui de casa". Eles crescem rodeados pelas imagens de santos e santas, de Budas, de anjos, de Iemanjá e de quem mais chegar. Procuro ser ecumênica: mostrar que o cidadão de bem é aquele que transita pacífico por todas a vibes do conhecimento metafísico. O pai deles e eu deixamos os dois livres para seguirem o chamado que lhes aprouverem. Contanto que tenham senso crítico e autocrítico, cultura e civilidade, não me importa se são ateus ou agnósticos.

Não é de hoje que acompanho a escalada cega dos neopentecostais. Sempre tive aversão a qualquer gueto. Acho que sou meio claustrofóbica (um dos motivos para me sentir mal dentro de aviões). 

Não posso me imaginar presa em visões limitadas de mundo e é exatamente assim que boa parte desses fiéis evangélicos está: convive apenas entre eles e menospreza estilos de vida que lhes são exóticos. Vivenciam uma xenofobia existencial. Isso é assustador. 

A Bolsonaroland está infestada de pessoas com 12 graus de miopia sem óculos para correção, a começar pelo presidente. Gente que não lê nada além da Bíblia, se é que a lê, e por isso teme tudo, deturpa tudo, condena tudo. Aliás, não sabem nem entender as metáforas do texto bíblico, aplicando dogmas ao pé da letra.

Atualmente, estou preconceituosa. É penoso confessar esse sentimento de repulsa perante o crente que está no meu trabalho, na aula de balé, na família, entre os amigos. Não posso ouvir falar nesse Deus gritado pelos pastores que me sinto incomodada. A escalada conservadora perversa dessas ditas (poucas de fato) famílias de fé me provoca engulhos.

Espero que ainda viva para achar bacana entrar numa igreja de novo. Para admirar os que abraçam sua religião com a verdadeira espiritualidade que evolui, algo longe do que experimentamos ultimamente. 


Comentários

  1. Falou e disse! É isso mermo! Valeu muito!

    Cecília Fonseca da Silva

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  2. Corremos o risco de voltarmos à idade média com essas cruzadas neopentecostais de hoje!

    Maria Félix Fontele

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  3. Excelente. Traduziu o que sinto.

    Débora Cronemberger

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  4. Ontem na Folha saiu um artigo muito bom do Pondé sobre o assunto...

    Dante Filho

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  5. Falaste tudo! Compartilho da tua opinião, principalmente discordo de qualquer imposição de crenças pessoais e íntimas aos outros, não só estou falando dessas pregações, mas de impor crenças através de leis e de moldar a sociedade com valores de uma religião específica. Não aceito isso. Deveria existir um abismo entre estado e qualquer religião. Eu não tenho nenhum interesse religioso, respeito quem tem, na verdade mais do que isso, a fé e religião das pessoas não me dizem respeito! Cada um deveria ser livre para acreditar ou não em que quisesse. Eu particularmente não sinto vontade alguma de frequentar qualquer tipo de cerimônia de qualquer religião. Em templos e igrejas só entro para conhecer a arte/arquitetura, para fazer concertos e assistir a concertos! Geralmente igrejas possuem acústica excelente!

    Cármen Forte

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  6. Como vc sabe a situação atual me afastou da religião e de Deus. Acredito que deva existir uma força, uma energia que rege o universo, mas certamente não tem nada a ver com o que pregam as religiões.

    Lara Silva

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  7. Concordo com tudo que disse. Ensino a religiosidade para os meus aqui de casa. Agora sou preconceituosa, não aguento esses fanáticos que ficam batendo no peito e recitando versículos da bíblia pra tudo e na realidade não praticam nada do que falam. Parece aqueles papagaios que repetem sem entender. Não gosto de gente assim. Fora o atraso desses pentecostais.

    Renata Assumpção

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  8. Na minha opinião o problema é de educação formal com pensamento crítico. O problema não são as religiões per se, mas a falta de conhecimento factual e a capacidade de análise, que desenvolvemos na escola. Acho importante crescer dentro de uma religião como suporte emocional e como educação cultural.my two cents.

    Aline Cardia

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  9. Ah como eu te entendo...

    Vera Schafer

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  10. Muito triste e deplorável o que estamos vivendo.

    Anna Luiza Lima

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  11. Falta a essas pessoas capacidade de discernimento. Existem estudos sobre isso. A situação piorou com o surgimento da internet e das redes sociais. Cada um ganhou uma tribuna e uma praça digital para repetir suas pregações de igrejas e outras instituições que trabalham na manipulação dessa gente. Certos proveitos e concurseiros, que passam nos concursos mais difíceis também estão nessa categoria. Sabe pegar o conhecimento e passar para a prova, mas não sabem pensar, imaginar. Sabem repassar.

    Laurez Cerqueira

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