Pachamama




(...)Volver a los diecisiete

Después de vivir un siglo
Es como descifrar signos
Sin ser sabio competente
Volver a ser de repente
Tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo
Como un niño frente a Dios
Eso es lo que siento yo
En este instante fecundo (...)

Violeta Parra na voz de Mercedes Sosa

A viagem para o Chile e norte da Argentina tinha uma Cordilheira no meio do caminho. Resgatou a verve hispano-americana que cochilava nas minhas vivências adolescentes e juvenis. Tudo da rebeldia e da vontade de mudar o mundo tinha a ver com Mercedes Sosa e Violeta Parra.

Estive no museu dedicado a compositora chilena em Santiago (sempre lembrando que amo esse nome). Modesto, porém comovente. Foi o bastante para o jorro de palavras de ordem volver a me enredar naquele sonho febril de igualdade, fraternidade e liberdade.

Os Andes mexeram com sentimentos que nem sequer sabia que existiam em mim. Seria eu descendente de mapuches, quechuas, chimús, aimaras? Serei reencarnação de alguma índia inca? Acredito em reencarnação? Rebuliços.

Voltei a ter ganas de ler Gabriel García Márquez. Dei cabo de “A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada”. Abriu o coração para a coragem de reler, 30 e tantos anos depois, “A Casa dos Espíritos”.

A verdade é que tinha medo de perder o encanto sobrenatural que nutro pelo livro de Isabel Allende. A mítica que envolveu a trinca de amigos inseparáveis da adolescência e com ela as memórias do torpor que nos provocou a saga de Clara clarividente, Rosa serena, Nana, Severo, Barrabás, el pero gigante, e demais personagens daquela narrativa surreal.

Temia que uma segunda incursão, na maturidade, pudesse destruir a aura arrebatadora do épico transformado num filme ruim com atores maravilhosos. 

Peguei o livro no original que também dormia na estante. Ele despertou de seu repouso um tanto zonzo, mas me saudou com um sorrisão. O receio se foi, pois um clássico nunca será vencido pelo envelhecimento.

Um clássico é um guardião da consciência planetária. Não envelhece, não emburrece, não perde a integridade, a honestidade, ou seja, a alma. É o ancião, o pajé, o curandeiro, o sábio, o nganga, a maga, a bruxa, a pachamama: Gaia. 

Nessa América do Sul de novo em combustão, em convulsão de retrocessos que ameaçam a diversidade humana e natural da Terra, não deixa de ser um alento crer no poder monumental da Cordilheira, inabalável na vigília amorosa de seus filhos. E também na eternidade mágica da literatura. Ela, sempre ela, um farol a nos resgatar, ciclicamente, da escuridão profunda da barbárie.


(...)Yo que me encuentro tan lejos

Esperando una noticia
Me viene a decir la carta
Que en mi patria no hay justicia
Los hambrientos piden pan
Plomo les da la milicia, si
De esta manera pomposa

Quieren conservar su asiento
Los de abanicos y de frac
Sin tener merecimiento
Van y vienen de la iglesia
Y olvidan los mandamientos, si
Habrase visto insolencia

Barbárie y alevosía
De presentar el trabuco
Y matar a sangre fría
A quien defensa no tiene
Con las dos manos vacía, si (...)

Violeta Parra


Comentários

  1. Que fase, sentimento é de pavor com esse retrocesso

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  2. Este último poema... Nossa Senhora!

    Por falar em Cem anos, ouça este álbum, com destaque para a Valse: https://open.spotify.com/album/4XgwkpNxLFLi8UUo0onOj9?si=JFAC7816TMu2qreepVpVgw

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  3. Não sabia desse seu apreço pelo nome Santiago.
    Tu tens que ver o documentário de mesmo nome do João Moreira Salles.
    Já visse?
    Não?
    Tem que ver.

    Valdeir Jr.

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  4. Lindo, Lú! Também tenho apreço por Mercedes Sosa.

    Renata Assumpção

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  5. Dona Lu, dia 25 de dezembro partirei, de moto, para Cusco. Já fiz algumas viagens inesquecíveis pelo nosso continente. Em comum, sempre o sentimento de que a gente nunca consegue avançar em linha reta. Os nossos caminhos sempre são tortuosos, ladeira acima e com ar rarefeito. Mas são sempre lindas visões de um povo rico e colorido.
    Obrigado por mandar sempre os seus textos. Nem sempre leio na hora. Gosto de parar pra eles porque são verdadeiros regalos. Valeu!

    Paulo Bigonha

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