Negritude ainda que tardia





- Coloca Michael Jackson!
- Coloca Chico Science!
- Coloca Luiz Gonzaga!

Assim a gente vai rolando as playlists no carro, atendendo aos pedidos dos meninos que, ufa, parecem bem encaminhados no quesito boas escolhas musicais. 

Parando para pensar, três artistas negros (pardos se preferirem) da melhor estirpe. Cada um com seu suingue, sua autenticidade e sua genialidade.

Ouvimos também um bocadinho de O Rappa:

“Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Tudo começou quando a gente conversava
Naquela esquina ali
De frente àquela praça
Veio os homens
E nos pararam
Documento por favor
Então a gente apresentou
Mas eles não paravam
Qual é negão? Qual é negão?
O que que tá pegando?
Qual é negão? Qual é negão?”


- O que é camburão?, questiona Tomás. 

Ele não é do tempo das veraneios vascaínas. Ele não presenciou inúmeros baculejos como eu. Ele próprio nunca foi vítima da truculência ou da desonestidade policial como já fui. Uma vez, na adolescência; outra, na juventude. E olha que não sou negra, nem meu namorado naqueles 16 anos. Muito menos Bernardo, quando eu tinha 26.

Daí vem um tipinho eleito deputado federal quebrar uma charge exposta nos corredores da Câmara dos Deputados! A casa do povo! A casa da Democracia! Mas quem foi o povinho que elegeu gente tão indigna? Congressista que vai para tribuna discursar “neguinho é quem mais comete crime”? Por que será, não é mesmo?

E por que será que nós, mesmo não pretos, nutrimos temor da polícia, essa que deveria nos proteger e nos servir? Recordo como se fosse hoje a angústia que Bernardo e eu passamos ao nos perdemos de carro pelas bandas de São Cristóvão, Rio de Janeiro. O receio de ambos para chegar junto da cabine da PM carioca e pedir orientação de turista mané. Reflitamos no quanto a situação é aflitiva e inacreditável.




Sim, todo camburão tem um pouco de navio negreiro. Expliquei para Tomás a dor e a força desse refrão brilhante. Caminhamos para a frente, mas não o suficiente, não o devido, não o esperado. Os negros já ocupam mais da metade das vagas nas universidades públicas, notícia que alegra, mostra o rumo certo. Mas ainda não há muitos negros nos tais cursos de elite: Medicina, Odonto, Engenharia e Direito. 

Por isso, vamos seguir nessa toada, nesse samba de uma nota só, cutucando os preconceitos todos, os racismos mais subliminares com a vara bem pontuda. Água mole em pedra dura tanto bate até que pulveriza.

Consciência, saravá! 



Comentários

  1. Importante. Necessário. Parabéns pela sensibilidade.

    Thalynni Lavor

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  2. Adorei o texto! Ao contrário do que muitos pensam, o racismo no Brasil existe e não é velado. É gritante no dia a dia do negro. Não me oprimiu, mas faz muitas vítimas cotidianamente. E é preciso falar sobre isso,oportunizar, criar políticas públicas...e uma prova disso é esse dado que vc citou no texto. Avante!

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  3. Muito bom, Luciana. Outro dia estava lendo uma reportagem sobre facções no Rio de janeiro. Sabe que até os chefes do tráfico são brancos ou menos pardos?

    Davi Antunes

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  4. Verdadeiro seu texto, infelizmente. Que país de abusos esse que vivemos. Dias tristes e fúnebres.

    Renata Assumpção

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