A gosto de Deus

Chegou agosto e com ele o rol de impropérios e de reclamações. Coitado do mês que não tem nada a ver com isso. Quem mandou calhar de acontecer quando a cidade fica ainda mais descampada e árida, à beira do insuportável?

Todo oitavo mês do ano é a mesma ladainha: os candangos maldizem o tempo inclemente, a poeira, a baixíssima umidade do ar. Tem quem aprecie, mas é minoria. A maior parte detesta o estresse hídrico imposto aos seres viventes, apenas recompensado pela beleza dos ipês, que florescem como um grito de desespero pela água que só chegará lá para setembro (assim esperamos ardendo, literalmente).

Fico com dó de agosto. Ele acaba levando a culpa pelo estado de ânimo sorumbático e azarado que acomete o brasileiro no início do segundo semestre. Outro dia, ouvi uma conversa pela metade. A senhora se chateava por haver nascido em agosto, “mês feio”. Incrível a pessoa ainda se importar com o fato, pois já me parecia completar para lá dos 70.

A birra com o mês é antiga, entretanto, ele não estaria onde está se não fosse o imperador romano Otávio Augusto. Ou seja: o mês é inocente, gente. No calendário de Rômulo, o fundador de Roma, o oitavo mês do ano era o sexto e seu nome original era sextilis ou sextil. A história da mudança é pincelada com toques de poder e de inveja. O imperador Otávio Augusto conquistou três vitórias nesse bendito mês (veja que sorte, galera!). Como auto-homenagem, ao estilo Bolsonaro, nomeou-o com o próprio nome: Augustus. 

Mas havia um porém. Sextilis só tinha 30 dias. Julho, cujo nome reverencia Júlio César, tinha 31. O invejoso Augustus, então, abocanhou um dia de setembro e, assim, julho e agosto são os únicos meses consecutivos com 31 dias.

Daí que agosto tem esse jeitão de interminável. Uma longa e arrastada segunda-feira após as ligeiras (para o descanso o prazo é sempre escasso) e deliciosas férias de julho. Sem dúvida, agosto provoca uma sensação de ressaca sem líquidos. “É de sonho e de pó, o destino de um só”. 

Sou da teoria de que Brasília deveria ter um calendário escolar diferenciado do restante do país. Não apenas a capital, mas uma certa flexibilidade estadual nesse quesito seria interessante. O Brasil é um país continental e tem muitas especificidades regionais. Se aqui as férias de julho se transferissem para agosto, ele não seria mais um mês a rimar com desgosto. 

As pessoas se mandariam para praias e montanhas úmidas; a economia de água num momento de seca extrema seria significativa; a cidade não precisaria emitir alertas de “baixa umidade do ar”; as escolas não teriam de suspender as aulas de educação física nas horas mais quentes do dia; as emergências dos hospitais não lotariam com centenas de crianças e idosos a padecer de doenças respiratórias, resumindo: um bocado de vantagens. Sem falar que a indústria do turismo se incrementaria fora da tradicional alta estação.

Sei que nos EUA o calendário escolar se adapta de estado para estado. Nada muito complicado, entretanto, adequado às condições atmosféricas de cada região. Umas duas semanas à frente ou atrás. Bastante inteligente e sensato. 

Eu não gosto dessa época do ano, é verdade, mas nada a ver com o mês em si. Sou uma pessoa que ama chuva. Deveria ter nascido em Belém, onde chove todo dia, não no planalto central. Compreendo que o Brasil sofreu traumas esquisitos em agosto: o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio, o acidente fatal de JK, a morte de Miguel Arraes e do neto dele, Eduardo Campos, no mesmo dia 13 (pensem). 

Uma amiga minha resolveu se casar em agosto. As pessoas estranharam. O fato é que ela acabou se separando, mas, quem nunca? 

Meu avô materno também morreu no dia 13 de agosto. Mas eu prefiro pensar que nesse exato dia do mês é o aniversário da minha prima-irmã Djelaine. E que sói ser, também, o dia do canhoto. Bem, aposto que escolheram essa data para manter a minoria não-destra eternamente estigmatizada como sinistra. Beijim no ombro para as superstições. Me amarro pegar na caneta como Barack Obama.

Da minha parte, esclareço que tenho bons amigos de agosto, filhos dos amigos de agosto, duas sobrinhas de agosto, um irmão do fim de agosto, primos e até mesmo o imperador Rômulo lá de casa, que seria de agosto. As 40 semanas terminariam exatamente no dia 6/8. Contudo, leoninos são muito orgulhosos e senhores de si e ele decidiu vir ao mundo no fim de julho. 

"Dog days of August", dizem os americanos incomodados com o calor insano de Nova Iorque no verão. “Se queres o teu homem morto, dá-lhe couves em agosto”, contam os portugueses. E eu afirmo: contanto que chovesse e verdejasse ao meu gosto, agosto seria mais prazeroso em Brasília. Por via das dúvidas, acho melhor Bernardo não comer couve até setembro. Fica a dica.