Libelo ao multicolor





Ser analógico tem lá suas vantagens nesse mundo millennium. Nunca pensei que gostaria de ser rotulada por um termo utilizado em informática e outras tecnologias, mas a definição da palavra vinda do grego (algo que já é bacana), significando que tudo varia de modo contínuo e gradual, diz muito sobre essa evolução constante e agradável que me toma depois da curva da meia idade da vida. 

Além do mais, nunca me liguei em arte contemporânea mesmo. Meu lance é retrô-barroco-idade média-renascença e pé palito. Do contemporâneo me gusta a libertação das mulheres, o programa Word, que livrou os pseudoescritores da máquina de escrever, e os filmes e séries da Netflix e Amazon. Se bem que dá uma saudade danada das salas de cinema e cineclubes da década de 1980. 

Quem é millennium nunca vai saber o que foi aguardar por um lançamento da Sétima Arte com toda aquela expectativa. Hoje se produzem filmes aos borbotões e a gente se perde no emaranhado de títulos. Não dá para follow up! É insano. Aliás, os millenniums são loucos, meio robotizados com seus fones de ouvido que já se incorporaram – literalmente - aos ouvidos. A gente olha para eles e enxerga distopias que antes pareciam apenas uma ficção exagerada, impossível de acontecer. 

Ser analógico é ter tido contado com o gosto da nata formada em cima do leite recém-fervido. Outro dia me lembrei que nunca mais vi uma nata na borda da xícara ou da panela!!! Queria comer baião de dois com nata, mas, cadê? Agora é gourmet: contente-se com creme de leite fresco! 

E na linha dos lácteos, nunca mais aquela coalhada com gosto azedo de leite talhado no natural, deixado ali ao relento. Nossa imunidade agradecia toda aquela rusticidade. Hoje o povo é tão limpinho!!!! Tudo orgânico, tudo livre de parabenos, tudo ecologicamente correto e chato pra cacete!

Millenniums nunca saberão do prazer de receber uma carta escrita à mão vinda de longe. Não terão muitos irmãos, talvez nenhum. Serão únicos e exclusivos. Por isso, padecem de doses fartas de individualismo. 

Não pensem que sou uma saudosista. Prefiro o mundo hoje do que o mundo de ontem, vou logo avisando. Mas não sei se prefiro os jovens atuais ou os jovens que fomos. Havia uma adrenalina multicolorida naquela turma. Atualmente, a adrenalina tá meio tom pastel. Falando nisso, millenniums jamais nutrirão fetiche por uma caixa de lápis-de-cor Faber-Castell de 36 cores!!! Tolinhos... 

E sem dúvida prefiro os rocks de ayer do que os funks de today. Keith Richards vai ser sempre vanguarda. Nenhuma Anitta ou Snoopy Dog podem sequer almejar o mesmo. 

E no Brasil se lia um pouco mais. OK, nunca lemos o suficiente, somos um país de ignorância brutal. Mas os analógicos eram apegados ao papel, ainda que fosse o papel de carta colorido com florezinhas e bichinhos. Os millenniums ficam grudados nesses youtubers, tutoriais e estupidezes cacofônicas. Até os filhos dessa que vos escreve não estão livres desse lixo. Se eu não fosse do tipo xiita contra a indústria cultural digital de zero qualidade, eles passariam o dia se lobotomizando com prazer. 

Gosto dos celulares, mas abomino grupos de what's app!! Por gentileza, não me mandem vídeos (já pedi no FB, mas parece que ninguém me levou a sério). Gosto das redes sociais, mas prefiro um beijo estalado na bochecha e abraços com cheiro elegante de perfume. 

Meus filhos são millenniums, mas injeto altas doses de velharias neles para que fiquem mais melodiosos (será que está dando certo?). A depressão ronda a juventude millennium e faz muitas vítimas. É angustiante ver tanta gente bonita agonizando no auge do delírio das descobertas; murchando antes de florir. Coito interrompido, gozo interrompido. 

Agorinha há pouco ouvi um cara na TV falando que a Apple vai disponibilizar uma atualização que promete deixar os IPhones antigos mais velozes. Veja bem, ele falou antigos como se qualquer IPhone pudesse ser considerado uma relíquia!!! Me senti ofendida, juro! 

Relíquia mesmo era gravar fita-cassete como declaração de amor para o namorado. Os millenliums nunca vão ter ideia de como dava trabalho fazer uma K-7 da hora! E não vão esperar com ansiedade a época das festas juninas da escola para dançar com aquele paquerinha. Ou apenas roçar no braço dele como quem não quer nada no meio de “Olha a cobra! É mentira!” 

É melhor do que eu pensava ser analógica porque ao menos sei fazer analogias. Aposto que os millenniums nunca entenderão uma piada supimpa dessas! KKK! 




Comentários

  1. Bem legal o texto! Me representa!!

    Rodrigo Holando

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  2. Amei seu texto !!! Vou encaminhar para muitas amigas, posso?

    Liane

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  3. Maravilhoso, Lu!
    Hoje mesmo escrevi uma carta a mão para meus sobrinhocos do Recife :))

    Rosa Carolina

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  4. Analógico , até hoje ñ sei direito o que é �� , acho q já me explicaram mas ñ lembro, millenium fui apresentada hoje �� Será q sou analógica? pois tb acho q antes era melhor.��

    Paula Mello

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  5. Como sempre muito me identifico, sou mega blaster analógica. Ainda hoje cheguei de Olímpia corrida e tinha um correio com um cartão de uma amiga do outro lado do Atlântico. Nossa, que delicia a letra cursiva, mais uma coisa que nossos filhos conhecem bem pouco. Beijo grande,

    Maria Heloísa

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  6. Demais!!!

    Marcia Godinho

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  7. Com certeza, minha sobrinha! Eu, mais que ninguém, sou das antigas ... Realmente às vezes enche o saco o Whatsapp..rsrsr VC NÃO TEVE CONVIVÊNCIA COM SEU PAI...PORÉM É A QUE MAIS PARECE COM ELE na forma de educar seus pimpolhos...parabéns!!! Seus filhos vão alçar vôos gigantescos. Eles estão tendo uma educação de primeiro mundo!! Fico mt orgulhosa de vcs. Bjs,

    tia Book

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  8. Pode continuar me mandando os posts por zap! Adoro todos! Outro Beijo!

    Letícia

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  9. Muito bom, Lu!!! Qualquer dia vc apanha de um desses "Milleniuns"! KKK! Texto muito legal! Mostra muito bem essa diferença de época, de comportamento.

    Cláudia Valadares

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  10. Muito boa, madame analógica!!!Adorei!

    Roberto

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  11. Que texto bacana! Como vai vocês?

    Graça

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  12. Aqui em casa tem nata e amo comer com banana frita! Que textão!!

    Simone

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  13. Lendo seu texto lembrei de um documentário que vi dia desses: "Quanto tempo o tempo tem", de Adriana L. Dutra (Se ainda não viu, tá no Netflix). Entre outras coisas o documentário fala de como as coisas têm mudado cada vez mais rápido. Tão rápido que a gente mal consegue se dar conta.
    O que mais me assusta nesse "admirável mundo novo" (talvez por ser mãe de dois adolescentes) é a depressão quase epidêmica. Como você disse, gente bonita agonizando no auge das descobertas. Triste de doer. Analógicos ou millenniuns, há uma enormidade de coisas que gostaríamos de decifrar, né nao? E acho que essa minha conversa tá tipo aquela frase do Guimarães Rosa: "Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa". Valeu pela reflexão, Lu!

    Francisnôra

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  14. Adorei, vizinha! Apesar de já ter uma certa idade, me vejo um pouco analógico e um pouco digital. Anacrônico, com certeza. Beijos!

    Davi

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    Respostas
    1. Olá, bem-vindo por aqui!!! Anacrônica também sou, sem dúvida! KKK!

      Abraço!

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  15. OI, Lu!
    Só hoje acessei seu blog.
    Nossa! Que maravilhoso o último texto! Relembrei um monte de coisas legais e descobri outra que eu nem imaginava ter existido, como a fita cassete gravada com declaração de amor para o namorado. Kkkkkk Nem sabia disso. Também não teria dinheiro para comprar uma para me declarar. Kkkkkk Mesmo assim gostei de saber a linda criatividade dos jovens do nosso tempo. Muito legal!
    Parabéns pelo belo texto.
    Tenha ótimos dias com a família.
    Bjs,
    Renata.

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  16. Luciana, gostei muito.

    Sou antigo...


    Algumas lembranças despertadas:


    Nata: (até acho que já comentei com você) em Caldas, vendíamos o leite, trazido do sítio, em antigos "latões" - com a tampa rosqueada - e enchíamos os vasilhames, deixados pelos compradores em casa no dia anterior. Durante a manhã, eles vinham buscar.


    Alguns não vinham, e então, minha mãe colocava tudo para ferver.
    Às vezes dava certo, e então tinha que pôr tudo pra gelar.

    E quando gelava, formava uma "nata", grossa, que depois ela batia, com um pouco de sal, e a gente passava no pão.
    Se o leite "azedasse", continuava a fervura, e ia acrescentando açúcar, até virar um doce-de-leite "empelotadinho" que era bom-demais-da-conta!! (ou, em bom mineirês: bão-dimais-da-conta-sô!!)
    Cozinhando bastante, ele ia ficando cada vez mais sequinho e moreno.
    A gente comia até adoecer... Junto com um queijinho então.... ichi!!


    E, claro, o seu texto se refere a muitas outras experiências determinantes nas nossas vidas, como : "nunca saberão do prazer de receber uma carta escrita à mão vinda de longe" e toda a expectativa em recebê-la, lê-la (várias vezes) e então, escrever a resposta, e esperar pela nova carta.


    Interessante também o significado grego da palavra "analógico": a variação contínua e gradual.

    Eu diria que é assim que o mundo natural funciona.


    E, claro, tem muitas outras observações legais que você faz.


    "Gosto dos celulares, mas abomino grupos de what's app!!"

    Como você consegue?

    Hoje eu participo de vários: A minha família nuclear: Eliane, Ana Olivia e meninos, - Grupo de um pessoal que participa de corridas-de-rua; E um grupo daqui do meu trabalho, que não tem nada de profissional. Só bobagem.


    Legal ver o Rômulo lendo um livro (de papel). A Ana Olívia também lê.
    Ela também é um pouco "antiga".

    É isso minha amiga.
    Um beijo,

    Paulo Magno

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