Faltou teste vocacional







Você é o que você quis ser quando cresceu? Peraí, não quero um texto pessimista quando até Trump mostra sua versão Nutella para o mundo. Acontece que nunca gostei de halzenuts misturadas ao chocolate. Sou uma chocólatra que não engole qualquer versão de cacau ao leite. Avelã é uma palavra bonita, de textura aveludada, mas é a castanha que nunca compro. 

Fechado o parêntesis, dias atrás o questionamento anterior me pegou de assalto. Recebi uma mensagem no zap de uma amiga sobre dubladores. Havia me esquecido completamente que já quis ser dubladora. Não seria o máximo dar voz brasileira a tantas personagens bacanas do cinema? Hoje em dia percebo a heresia de matar a interpretação do ator, cuja entonação faz parte da construção da persona que interpreta. Detesto qualquer filme ou série dublada, porém reconheço que a dublagem no Brasil é muito competente. 

Mas o fascínio infanto-juvenil pela profissão se explica: seria estar imersa na Arte sem precisar ter o talento do artista original. E nos bastidores, conhecendo as engrenagens. Quando criança, entre o grupo de amigos do colégio Notre Dame, corria a lenda de que me tornaria a primeira apresentadorA do Jornal Nacional. Na verdade, não gosto de aparecer tanto assim. Estar exposta na TV não me apetece. Ser editora, sim. Já tive a oportunidade e gostei. 

Falando em exposição, o post da dublagem me rememorou a vontade de ser vitrinista que também tive em algum momento da existência. Vitrines bem montadas também são Arte. E tudo o que sonhava para mim era um mundo de beleza genuína. Criada na carestia de poesia numa casa apertada e pragmática, me refugiava em sonhos de grandeza artística. Ser pisciana com ascendência em Leão deve explicar melhor do que Freud. 

Ao contrário da dublagem, as vitrines ainda me fascinam. Sou tarada por elas, por mirá-las e fotografá-las. Viver em Nova Iorque só fez meu delírio aumentar. Imagine ter a chance de criar uma ambientação para a livraria Barnes&Noble? Ou algo conceitual para Cartier ou Tiffany&Co.? 

Se não me engano, enviei meu currículo para uma vaga aberta de vitrinista quando morei em São Paulo, em 1993. Recém-formada e recém-casada à cata de empregos idealizados, só consegui mesmo um possível: trabalhar numa companhia de importação e exportação, louca para me exportar para outro planeta todos os dias que lá chegava e batia a máquina de ponto da realidade Tempos Modernos. 

Quis ser bailarina, desejo de nove entre dez gurias que frequentam as aulas na sala de espelhos da infância. Saias de tutu, holofotes, graça, força, precisão, perfeição. Quem não quer reunir em um só corpo tudo isso? 

A crueza da vida comprovou que nunca deixaria de ser a dançarina da segunda fileira. Daí que uma coisa leva a outra: balé clássico te remete à música clássica e na mesma fase descobri a beleza incomparável dos instrumentos musicais. A irmã da qual roubei o posto de caçula morria de ciúmes de mim, todavia não sabia que quem a invejava era eu! 

Ela tinha o dom para a Arte. Vanja tinha uma caixinha preta forrada de veludo com um clarinete dentro! Ela tocava, desenhava, fazia tricô, tapeçaria e gravava fitas K-7 com as melhores seleções de MPB e eruditas que formaram meus ouvidos para apreciar apenas o mais refinado. 

Então quis virar pianista, imaginem! Mamãe não tinha dinheiro, tempo ou compreensão para uma vontade dessas! Me deu um violão. Fiz algumas aulas, não persisti, não curti. Seria eternamente uma amante da deusa Música, não uma agente da canção. 

Entre os 15 e 16 anos, cogitei a Medicina. HaHaHa, seria uma piada eu, enojada com escatologias, me tornar uma cirurgiã. Entretanto, meu lado mórbido ainda não desistiu de acompanhar uma autópsia qualquer dia desses.

Sem contar que quis muito ser atendente de locadora de vídeos. Em vão, é claro. Vários foram os currículos enviados sem resposta. Ah, e também almejei trabalhar na Livraria Cultura como o meu amigo Cláudio Scafuto conseguiu por um tempo, ele, uma enciclopédia poliglota. O outro amigo Cláudio pensou em ser caminhoneiro, mas tornou-se um designer autônomo. 

De loucura em loucura, parei na Publicidade, que me parecia tão artística aos 18 anos. Não decolou. O Jornalismo foi consequência natural para quem gosta de escrever. Houve o momento antropóloga, mas abandonei a graduação pela metade, meu único grande arrependimento acadêmico. Acredito que seria uma pesquisadora aguerrida.

Sobrou seguir escrevendo e fotografando, possibilidades que, dentre todos os descaminhos oníricos, me definem com concretude. Ser escritora em tempo integral é o próximo salto. Aliás, já saltei e não me esborrachei. Pode ser que vire realização, pode ser que não passe desses textos que já passam de 500. 

Não sou quase nada do que quis ser quando cresci, mas a vida encontrou um meio de não me deixar perder a meninice que descubro em cada poesia, em cada árvore. E você? Quais sonhos ficaram para trás e quais seguem lhe movendo? Conta aí, vai! 



Comentários

  1. Hahaha Eu quis dançar, mas me faltava flexibilidade, leveza, graça! Quis ser uma poderosa executiva, mas me faltava grana! Tardiamente descobri que tinha vocação para a informática. Faltou-me a base. Mas gosto de trabalho administrativo. Posso dizer que guardadas as devidas proporções, sou realizada no serviço público. Talvez a grande executiva pudesse ter mais status, poder e grana, mas não teria direito à paz de que disfruto hoje. Se um dia eu me aposentar, ainda quero trabalhar com bolos e doces. Quem sabe ter um café numa cidadezinha idílica longe do Brasil.

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  2. Ah, tive muitos sonhos parecidos com o seu, ai quando vi que seu ascendente é em Leão entendi, também tenho o mesmo ascendente, pra mim não faltou teste vocacional não, o que faltou foi teimosia, meu sonho se dividia entre direito e arquitetura, com um peso maior pra ultima, na ultima hora da inscrição pro vestibular, papai me convenceu do curso de direito, mas a minha vocação era pra Arquitetura, depois ele se arrependeu, queria que trancasse a matricula e prestasse outro vestibular, ai fui teimosa e não aceitei.

    Renata Assumpção

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  3. Acho que se a gente se coloca mei que no rumo, a vida vai dando caminho. Eu quis um monte de coisas diferentes. Na área artística, queria ser cantora, mas não sou disciplinada, não tenho persistência pra treinar voz, ensaiar... queria ser atriz também, mas eu não tenho essa personalidade desapegada do conforto da maioria dos artistas, sem horário, rodando mundo. Mas acho uma profissão linda demais. E adoro textos, não só escrever, mas aprecio um bom texto, escrito e falado. Inclusive, com bons oradores, se não tomo cuidado, nem analiso discurso, me empolgo com a escolha das palavras (ótimo com o Leminski e Caetano mas péssimo na política). Daí acho que parei numa profissão que nunca imaginei, mas que gosto. E quanto a minha segunda profissão de consteladora, sempre fui intrigada com o ser humano, o que passa dentro das pessoas pra tomarem as decisões que tomam, fazerem o q fazem, falarem o q fazem... como vc diz, tenho estômago de borboleta, e a maneira que encontro de não ser tão sensível a tudo é buscar sentido no que me move e no que move o outro - mas não há outro, como diz aquele aforismo budista, e olha como isso faz tudo tão redondinho... aí a minha metade capricorniana se entende com a metade aquariana, e a gente segue em frente.

    Marisa Reis

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  4. Desde os dez anos de idade eu sabia que seria jornalista. Sempre foi meu sonho trabalhar em televisão. Eu nunca quis aparecer na televisão. Os bastidores me encantavam, me ofereciam a lógica da mágica! Era ali que eu queria estar (e estou). Já fiz de tudo nessa área. Roteiro, direção, câmera, edição, produção, fotografia, cenário, figurino, já apresentei jornal, programa, já fiz gravado, filmado, ao vivo... Outras ideias muito diferentes um dia passaram pela minha cabeça (como ser arquiteta, atriz, agrônoma ou chef confeiteira). Mas o "meu vício desde o início", é o audiovisual. Me considero uma pessoa de sorte!
    PS: Também tenho ascendente em Leão. =)

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  5. Ah que texto mais que maravilhoso...nao fui nada do que quis em criança/adolescente...artista,interpretar vários personagens, viver muitas vidas em uma...sonho frustrado desde cedo, quando ainda no Rio meu pai brecou muitas investidas de Carlos Imperial, Paulo Silvino e outros que eram vizinhos de rua próximas...e quiseram me levar pra fazer testes inicialmente fotonovelas, é mole?!
    Enfim, não rolou, gosto de dança, mas nunca me imaginei uma bailarina...hoje estou satisfeita com o que consegui...ah, jornalismo tb foi durante um tempo um sonho...
    bj.Namastê!🙏😘🌷

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  6. Querida Luciana,
    Vc diz que não se considerada uma "Saudosista".
    Então, a única outra classificação que posso lhe atribuir é: "Saudosistérrima". (existe?)
    Muito legal o seu texto!!
    Beijo,

    Paulo Magno

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  7. Muito bom , Lu! Amei!

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  8. "Versão Nutella" é ótimo...

    Menina, eu fiz curso de vitrinista em mil, novecentos e lá vai fumaça!

    E adoro arte! E música!

    Márcia Romão

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  9. Quando eu crescer quero escrever como você!

    Karla

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  10. Lu, lendo o seu texto fico até sem graça de dizer que desde que me entendo por gente eu gostaria de ser professora. Eu lembro que eu dava aulas de matemática para minhas bonecas e eu mesma fazia as tarefas, claro! Fazia até com a mão esquerda para que a letra ficasse diferente da minha hehe. Quando vi física pela primeira vez no colégio, pronto, decidi a disciplina que eu gostaria de ensinar. E por fim, quando entrei na universidade, decidi o local onde eu gostaria de ser professora. Tudo muito linear. E se me perguntassem o que eu gostaria de ser se não existisse física, eu não saberia nem por onde começar. Gosto de muitas coisas, mas pra ter como profissão, como algo que acordo e dedico grande parte do meu dia, me vejo somente na física mesmo. Portanto, não deixei nada para trás...E assim a física foi tornando-se algo com o qual eu posso sempre contar, me salvando inclusive de dias tristes. Abraço Lu!

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    Respostas
    1. Imagine, por que ficar sem graça? Que bom que temos pessoas moldadas para a profissão que escolheram desde sempre. Vocação verdadeira é isso e é raro, certo?
      Fantástica deve ser a sensação da realização plena.

      Beijocas pra você!

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  11. Ótima conclusão!

    Maria Helena Andrade

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  12. Belo texto, bela historia! Gosto muito do jeito que você escreve, sempre com uma pitada de humor. Que seus sonhos se realizem, nao ser escritora, porque voce ja o é, mas ser conhecida e reconhecida.
    Nao entendo nada de horóscopo, só sei que sou capricorniana e confesso que me deu uma pontada de inveja de todas as suas fantasias. Eu queria ser matemática, fazer matemática pura, acabei psicanalista. Acho que nao cai tao longe.

    Ângela Sollberger

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  13. Luciana. estudei no Notre Dame do Rio, não me faltou o teste vocacional: artes, línguas ... nem tive tempo de escolher.. foi pegar o primeiro bonde e aos 18 anos estava de carteira assinada...foi difícil! Um dia quem sabe lhe conto o conto de minha vida! Texto gostoso de ler o seu!
    Estudei lá em 1958! Meu pai por esse tempo era senador pelo Piauí, mas tínhamos um apartamento com o essencial...e acredite, ele nunca teve um carro! Escrevi alguma coisa sobre o "franciscanismo" da vida dele em umas fotos que encontrei. Quando vier aqui lhe falo.

    Bjs,

    Socorro Melo

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  14. Legal! Quantas profissões pensadas! Eu só me recordo de querer ser professora e, mais adiante, ser alguém que pudesse conciliar as pessoas, pois nunca gostei de discórdia e injustiça. Acho que realizei esse sonho, né? Afinal, o que mais fazemos? Haha!

    Ana Claudia

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  15. Que texto MARAVILHOSO! PODERIA SER A APRESENTAÇÃO do seu livro! Essa inquietude da mente é o que nos faz crescer e admirar o mundo que vivemos!!!!! Conheci mais de vc, dos seus sonhos e o caminho que percorreu até aqui! Como sua fã numero 1, torço para que.seu sonho se realize porque sempre achei que sua arte são as palavras!!!! Parabéns!!!!!

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  16. "Já te vejo brincando, gostando de ser
    Tua sombra a se multiplicar
    Nos teus olhos também posso ver
    As vitrines te vendo passar..."

    Chico, aliás, Valdeir Jr.

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