Sobre o laser e outras técnicas sadomasoquistas






Momento check-up anual, ou melhor, bienal, pós-excessos da vida norte-americana. Nem quero abrir o resultado do hemograma completo e ter de encarar a verdade dos fatos provavelmente apavorantes sobre a glicose e o colesterol. Valei-me! 

Ontem estava novamente no angiologista. No ranking das chatices médicas, o tratamento de vasos e varizes ocupa facim o segundo lugar. Perde apenas para o dentista (que enfrentarei nessa quinta-feira). 

Chego esbaforida, atrasada (encontrar vaga em Brasília é, por si só, um exame de sanidade mental) e a secretária me pede para vestir um shortinho azul celeste (uma das poucas cores que só gosto no céu que lhe dá nome) estilo balonê. 

- Acho que esse te serve! 

Tive vontade de dar na cara da moçoila, uma vez que o tal balonê caberia até mesmo num hipopótomo fêmea. 

Deitei na maca e lá vem o sádico. Dr. Damasceno com suas mãos finas, quase quebradiças e transparentes. Ele é a simpatia em pessoa e suas mãos, leves como devem ser para torturar com maestria as pacientes. 

Era a primeira vez que eu eliminaria vasinhos com raio-laser. Estava apreensiva e o que veio a seguir agravou o quadro de ansiedade. 

- Coloque os óculos e me dê aqui o celular! 

- Como assim? Não vou poder me distrair enquanto você me esfola viva? 

Ele ri e me explica que é uma questão de segurança. Os óculos, tipo os de natação, são opacos, branco-leitoso e me deixaram completamente no escuro. 

Que aflição! Que suspense! O jato frio de ar toca a minha panturrilha, amenizando o calor intenso do laser. Bate e assopra, saca? Quase uma cena de “Cinquenta Tons Mais Escuros”, se Dr. Damasceno fosse tão gostoso quanto o Cristian Grey. 

De repente, um leve aroma de galinha depenada no fogão à lenha dos confins da infância chega às minhas narinas... 

- Pense que você está ganhando, de quebra, uma depilação a laser, se diverte o médico-monstro. 

Lá pela ducentésima troca de carícias sadomasoquistas, comecei a recitar o mantra da aula de yoga: LOKÁ SAMASTÁ SUKINÔ BAVANTÚÚÚ... E tome-lhe repetição a cada dor mais agudinha do que a outra. 

- Tudo bem aí? 

- Tudo óóóótimo, estou apenas recitando um mantra (e matutando sobre quão lôkas são as mulheres e suas vaidades). 

- Ah, bem que eu vi que você estava muito concentrada. 

Nisso, ele engata num papo sobre o julgamento de Lula a fim de me distrair com algo ainda mais desagradável do que aquela sessão de tortura, aproveitando para me queimar mais 350 vezes! 

- Importante fazer o maior número possível, se não você vai demorar para ver o resultado, se justifica o inquisidor, todo serelepe. Aposto que se vinga dos abusos que sofre da esposa nas esposas alheias. 

Mas quando você pensa que terminou, Dr. Damasceno chega ao requinte máximo de crueldade com aquela agulha finíssima que esclerosa as veias mais extensas com um líquido flamejante. 

Saio da sessão em modelito múmia-prestes-a-ser-eternizada na pirâmide de Queóps, quando recebo o golpe de misericórdia: 

- Depois de quatro horas, você tira as ataduras e coloca a meia-calça de alta compressão. São só dois dias usando a meia, mas não precisa dormir com elas, viu? Despede-se Dr. Damasceno, em estado de beatitude. 

- Reconfortante, indeed, resmungo, deixando a câmara dos horrores. 

As tais meias, espartilhos da atualidade, são objetos de tortura capciosos. Primeiro é essencial que se tire as próprias medidas antes de comprá-las, pois elas devem ficar realmente apertadas. 

Chega a hora de incluir o marido no jogo de sedução sadomasoquista. Ele lê as instruções do produto como o cioso cientista teórico que é e parte para prática. Vira a meia do avesso e ataca o pé direito. Consegue alcançar o tornozelo, avança pela panturrilha, emperra. Decide realizar o mesmo procedimento no pé esquerdo. 

Na frente dele, posição de frango assado, me esbaldo de rir e suo em bicas no alto verão que adentra o quarto. Se os filhos flagrassem os pais nessa cena esquisita, sabe-se lá a amplitude do trauma que levariam para a vida adulta... 

Entre um puxão e outro rumo ao joelho, reflito que é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que a coxa da pecadora ser revestida pela meia preta. Resolvo, então, assumir o comando e termino o enduro sozinha. Pronto: posso ser escalada para o próximo comercial da linguiça fininha da Sadia! 

A empreitada reduziu uns bons centímetros das minhas medidas, sem contar que eliminei uns dois quilos no exercício aeróbico de alto impacto. 

Tudo vale a pena se a alma não é tamanho P, mas a cinta-liga, sim!:) 



Comentários

  1. Kkkkkkkkkkkk cômico, surreal 😂😂😂😂 depois vc me conta o resultado,viu?estou precisando fazer, mas nunca fiz com laser...bjs

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  2. Kkkkkkk!!!!! Adorei e ri muito!!!! Lembrei que também preciso me torturar,ops, me cuidar!!!!

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  3. Aí Lu, só vc pra me fazer rir! Como vc descreveu tudo foi ótimo; muito bem colocadas as palavras!Adorei!

    Leila Brandão

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  4. Olha,imagino o que você está passando, mas ri imaginando a cena do Bernardo com a meia. Quando trabalhava, usava essas benditas e era um horror colocá-las. Sucesso nas novas pernocas!

    Renata Assumpção

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  5. Cruzes!! Kkkk Você é muito corajosa!

    Mônica Emery

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  6. Eita, melhora logo porque o carnaval tá chegando e eu irei para sua casa!

    Djelaine

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  7. Primaaaa, amei o seu relato e de quebra me diverti bastante!!! Quanta riqueza de detalhes!!! Ameiiiii!!!

    Jôsy

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  8. Escritora nata!! Descreve um episódio chato com tamanha maestria que nos diverte lendo!!!

    Ambrosina

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  9. Nossa, dei uma lida em alguns textos seus, e cara, que máximo, adorei. Também adoro escrever, sobre coisas que acontecem na minha vida e sobre teorias que crio nos momentos de crises existenciais. Eu sempre escrevo a mão mesmo, num caderno que comprei pra faculdade, que teve um fim trágico, não exatamente um fim(tá trancada por motivos financeiros, e vai continuar porque não sinto mais tesão pelo curso). Mas lendo seu blog me deu uma vontade danada de fazer um pra mim, e mostrar pro mundo as coisas que se passam na minha vida e na minha cabeça, o problema é que tenho uma preguiça enorme de digitar, prefiro escrever mesmo, mas vou pensar na ideia. Parabéns pelos textos, adorei, vou ler sempre, inspiração!

    Izabella Maria

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  10. Luciana,
    Tenso hein!?
    Entretanto, acredito, necessário.

    Um beijo.

    Paulo Magno

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  11. Lú do céu, morri só com sua descrição do fato...
    Faço aplicação dos vasinhos pelo método tradicional, porque meu plano de saúde cobre e o a lazer não cobre.
    Minhas seções de tortura são em doses homeopáticas mas já são suficientes...
    Esse ano deixei para fazer no segundo semestre, mas só de lembrar delas já me deu agonia!
    É a vida, vaidade, sou mulherzinha mesmo, pelo menos para o básico.
    Já uma lipo não sei se encararia...
    Beijooooooo,

    Rosinha encarnadinha

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  12. Toda vez, Lu, troco short por calças de malhar pra não enfrentar as tais agulhinhas.
    Depois me compartilha o endereço do masoquista da vez?

    Valei-me, Senhor! Esqueci que tenho pernas... !
    Beijos e ótima recuperação!

    Juliana Tavares

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  13. Hahaha, adorei! Exatamente assim. Fiz um procedimento desses há dez anos, mas não resolveu. Voltaram todas, aliás, um outro médico me disse que na verdade eu tenho a tal "pele de cristal", ou seja, pele transparente, daquelas que aparecem todos os vasinhos e vasões, então nem adianta me preocupar com isso kkkkk

    Mas vc vai ver o resultado, vai amar.

    Bjs,

    Ana Claudia

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  14. Lu, definitivamente hilária a forma como descreveu o seu calvário particular, tragicômico, desse hospício que é a busca de pernas "perfeitas". KKK!
    Está ótimo o texto!! Quase morro de rir...

    Bjs,

    Marilena

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  15. muuuuuito bom, Lu!KKKK!

    Geysa

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  16. Dr. Damasceno, gente fina. Se é pra ser torturada, que seja por ele. Nem quero pensar o q será de mim quando for lá, acho que tem uns cinco anos que não dou as caras... ou melhor, as veias...

    Marisa

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  17. Deus me livreee....estou precisando também, mas a preguiça não deixa eu ir lá e encarar essa marmota. Também achei o máximo sua narrativa, como sempre. ótima. Ah, encontrei o objeto redondinho em minha mesa de trabalho, thank you very much, dear.

    Beijocas,

    Marcita.

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  18. kkkkk....Rindo até 2050.....já coloquei isso estando grávida...Eduardo tinha que me ajudar...que parto!!!

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