Efeito Borboleta

A palavra farfalla percorre toda a boca, estala nos dentes, excita a língua e saí liberta para o mundo dos sons harmoniosos e poéticos. É leve, é doce, evoca estrelas ou bolhinhas de sabão. Assim como o vocábulo pirilampo, que provoca saltitos luminosos no meio da noite. Vagalume, ao contrário, soa pesado e sombrio. Uma luz que se perde na escuridão sem alegria. 

Borboleta é balofa, amorfa, pesada. Nada nos remete da fluidez do inseto que batiza. Tá mais para cargueiro do que para saveiro. Não que seja nome feio, não é. Mas não combina como farfalla, do italiano, essa língua afetiva e melodramática tão grata, prima-irmã do Português, que tem o seus ÃOS: zangões, balões, clarões. O ão é estranho, uma invenção que ocupa muito espaço sonoro e cria palavras monstruosas como diapasão e como Militão (sobrenome da família da minha mãe). 

Não posso me esquecer de Assunção, sobrenome paterno que, se não chega a ser abrutalhado, também carece de suavidade. As palavras terminadas em ÃO são desajeitadas, intrusivas, agressivas. Além de se permitir rimar bobamente como coração com melão e agrião. Gosto muito não. Não: monossílabo duro e inflexível. 

Entretanto a língua portuguesa é bela sim, apesar de alguns termos nomearem de forma equivocada coisas, seres e objetos. Porém, o idioma que não comete pecados que atire a primeira sílaba!! 

Meu caçula perguntava porque faculdade se chama faculdade. Que complicado encontrar respostas para as avarezas, sutilezas ou inadequações do que nomeamos. Faculdade é o poder, o direito, a aptidão ou a capacidade para fazer algo. Faculdade também é habilidade mental e assim você faz faculdade. Tem o poder de escolher estudar mais e ficar mais sabido. Hahaha! 

Cardamomo, palavra que amo, não parece tempero vindo das Índias, mas sim, um gnomo. E gnomo não parece gnomo, mas um imbróglio. E imbróglio é uma das palavras mais feias do léxico nacional, que não parece léxico, mas lenço que tremula ao vento. 

Voltei no tempo em que a amiga de infância escrevia as palavras que ela mais gostava numa folha de caderno para fugir das paredes opressoras da escola. Zíper era uma delas. Queria tanto me lembrar das outras, será que ela ainda se lembra? Acho que até guardei aquela página rabiscada com a intensidade faiscante da adolescência. Onde? Faísca... Taí um nome que diz ao que veio: parece nos sapecar com sua lambida quente. 

Poderíamos ficar dias, meses e anos falando desse novelo (outra palavra perfeita para o seu objeto) infinito e bonito da língua e suas artimanhas. Emendaria que calendário, na verdade, me lembra candelabro, que nada tem a ver com luz, pois é assustadora e soturna como só soturno pode ser. 

E pensar que toda essa verborragia (argh, palavras que terminam em gia podem ser das piores), rolou por causa da farfalla que saiu da boca do jovem cantor italiano. Efeito borboleta.