Socorro, sou preconceituosa!

Pensei trilhões de vezes antes de começar a escrever esse texto. Tive medo de mim mesma, atestar meus demônios, minha falta ou pequenez. Tive medo também do julgamento dos outros. Os outros estão tão escrotos ultimamente. O ringue armado no Facebook. De longe, tudo é possível e, de perto, ninguém é normal. 

Descobri que estou aquém dos meus anseios de pessoa aberta e descolada em todos os aspectos da vida. Sim, eu alimentava certa desconfiança de que não era evoluída a ponto de ser totalmente livre. Porém, comprovei a tese no dia de ontem. Tenho, afinal, amarras morais e sociais. Quem não tem? Alguns espíritos indômitos e profundamente desapegados de qualquer conexão com as demandas planetárias. Ainda quero conhecer um desses indivíduos. 

Mas eu, euzinha, percorro claudicante o caminho do não julgamento, caindo sempre na armadilha do pré-julgamento que se confunde, muitas vezes, com o preconceito. Admito: há muitas fronteiras a explorar. 

Estava a caminho da massagem terapêutica. No beco entre um bloco de casas e outro da 709 norte, divisei um casal. Um casal de meninos. Sentados enganchados um no outro, escondendo o amor deles numa passagem deserta. 

Cruzei com eles e eles eram tão novos, tão frescos, tão franzinos e desprotegidos. Ambos ficaram sem graça ao me ver e eu ao vê-los, terrivelmente. Meus pensamentos galoparam, meu coração ardeu. “Já sabem que são gays nessa idade?” Ué, sei lá, quando é que eu soube da minha heterossexualidade? Naturalmente senti tentação por um menino magrelo da minha sala. Deve ser assim para todo mundo, não? 

Não sei. Não sei como um gay começa a tomar conhecimento de que o sangue bate forte por um igual. Não sei que reboliço lhe toma as entranhas. Não sei que temor lhe acomete. Será o mesmo temor do adolescente hetero ou será mais dilacerante? Mais culpado, menos? Não sei, me desculpe! Só sei que fiquei estarrecida vendo aquele casal de “ninfetos”. Descobri que a Luciana-mãe não teria chão para ver o filho dela sentado num beco no colo de outro menino. Descobri que, enfim, não acho tão tranquilo assim que meninos beijem meninos na boca. 

Talvez por ser mãe de meninos e guardar a angústia de que eles sejam gays e sofram muito nesse mundo de pais que se doem pelo filho ser gay. Não é o caminho que todos esperam para os filhos, sejamos francos e soframos as consequências. Não vou tentar ficar bem na fita com os meus amigos gays, com os meus parentes gays, com os gays do mundo que, por ventura, leiam esse texto. Eles têm o direito de se chatear e eu tenho o direito de expor a minha aflição em não ser, enfim, um ser humano tão hype. 

Fiquei pensando naqueles dois. Eles já terão dito aos pais que são gays? Os pais terão uma ideia, mas fingirão que estão por fora? Os pais sabem e dão todo o apoio (o que espero que façam, evidentemente, afinal é o que eu faria)? Os pais vão se escandalizar e viverão o resto da vida amargurados pela culpa: “o que foi que fizemos”? Os amigos sabem e dão aquela força? Os colegas da escola os sacaneiam? Em quais outros becos eles se escondem para namorar? Quais riscos estão correndo? Escrever a palavra gay para descrever homossexuais é sinal de homofobia?

Minha cabeça lotou de perguntas asfixiantes. O massagista percebeu o mal-estar da paciente. Meu Deus, quando eu iria imaginar que um encontro desses iria mexer tanto comigo? Foi uma facada. Uma coisa é ver adultos gays bem resolvidos se relacionando entre si. Outra coisa é ver impúberes inseguros dando os primeiros passos emocionais de suas vidas talvez completamente sozinhos, isolados de uma rede familiar e social que deveria acalentá-los e compreendê-los na totalidade que merecem, mas que provavelmente nunca existirá, pois a 'vida é real e de viés", como bem canta Caetano Veloso. 

Quando o mundo deixará de ser tolo, infame e cruel com quem não vive os preceitos universais previsíveis? A verdade é que a sociedade é madrasta má. Eles estão órfãos. E eu queria adotá-los. Todavia, como, se também sou tola, infame e quiçá cruel? 

É bem capaz de nesse momento estar sendo apenas mais uma preconceituosa idiota. Entretanto esse texto é uma tentativa de me deixar menos estarrecida com as ideias preconcebidas que me eram inconscientes até ontem. E se eles estiverem muito bem, obrigado e eu aqui, pagando de mãe otária classe média? Boa sorte pra vocês, meninos!