Com limão, mas com afeto




Todo mundo guarda uma lembrança do Dia das Mães. Recordações hilárias, tristes, doces ou traumáticas. Não existe uma data tão avassaladora quanto essa. Porque mãe, vamos combinar, é uma entidade; uma deusa capaz de provocar a mais perfeita devoção ou o mais dilacerante ódio. Não tem essa de mais ou menos, quase, talvez, quem sabe. Mãe não é relativa. Para o bem ou para o mal, a maternidade é o estado absoluto da criação. 

Segunda pós Dia das Mães é dia de contar os sobreviventes, mortos e feridos do domingo especial. A mãe da adolescente de 13, conta que o seu dia foi “o pior dia das mães da minha vida”, pois a filha deu piti dentro do restaurante, se esquecendo de quem era a dona da festa, muito pelo contrário: culpou a mãe por todos os males de sua incompreendida vida juvenil. Nada mais trivial nessa relação tão delicada e conturbada entre mãe e filha. 

A outra, mãe de uma garotinha de oito anos, recebeu todas as flores arrancadas do jardim transformadas em tapete. “Tive de segurar a bronca”, diz, entre risos. Aproveite, mãezinha, enquanto sua pequena ainda acredita que você é a rainha da primavera e o centro do universo. Logo ali na adolescência passa, vide a história do parágrafo acima. 

O rebento de nove da minha sobrinha escreveu “eu te amo” em muitas línguas e prendeu na porta da geladeira! Que fofo! 

Uma amiga revela que chorou ao ver uma coleguinha da sala da filha chorar na festa do Dia das Mães, pois a mamãezinha da menina não deu o ar da graça no colégio. E quantas festas de escola não assim? O Dia das Mães e o Dia dos Pais são terremotos para as crianças que, por motivos diversos, não disponham dos dignos representantes desses papéis primordiais para apresentar aos amiguinhos. 

Eu odiava o Dia dos Pais. A gurizada pode ser bem malvada. Até hoje ecoa em meus ouvidos: “ela não tem pai, ela não tem pai!”. As escolas contemporâneas tentam amenizar o peso da maternidade e paternidade na vida infantil inventando o tal Dia da Família. Mas desconfio que uma festividade politicamente correta não seja capaz de aplacar a ausência desses seres mitológicos do coração dos alunos. 

Há cinco anos eu não tenho mãe e o Dia das Mães perdeu metade do prazer que eu sentia. Saudades de pensar no presente que daria para minha mãe; de escrever cartõezinhos encharcados de afeto. Em contrapartida, ganhei um livro para colorir personalizado dos meus varões, com desenhos em preto e branco que eles escolheram, ou seja, lá vou eu pintar muitas caveiras, monstros, bichos e algumas flores que, obviamente, deixaram por ali para me agradar. 

Falando em presentes, a mais tenra recordação que tenho do Dia das Mães reside no ano em que surrupiei dinheiro da bolsa de dona Maria para comprar um regalo para ela. Solução extrema de uma órfã de pai, com irmãos adultos que lhe pareciam há tantos anos-luz de distância que não passavam de estranhos sob o mesmo teto. 

Furtei a grana, fui ao então supermercado Jumbo, hoje Pão de Açúcar, e comprei um conjunto para o preparo de caipirinha para mamãe. Logo para ela, que nem bebia nem nada! Mamãe passou a semana chateada, praguejando por ter perdido a soma que lhe fazia falta naqueles tempos regrados. Mas eu seguia com cara de paisagem... 

Chegou o domingo e a filha toda orgulhosa entregou o presente para a mãe. Dona Maria sacou na hora que fim tinha levado o dinheiro desaparecido, mas não brigou comigo. Como uma boa mãe, guardou o conjunto de caipirinha na cozinha, utilizando o socador de madeira para amassar alho, atividade muito mais conveniente a uma mãe que não tinha tempo para se dar ao desfrute de drinques ao cair da tarde. 


Comentários

  1. É Luciana, esse tal dia das mães é barra!

    Fico fula da vida com umas pseudo-mães que querem que a criança tenha maturidade para compreender sua ausência....

    Ou que querem que a criança se vire sozinha, enquanto elas enchem a cara no churrasco de domingo...

    Este fim de semana o Rodrigo e eu salvamos uma garotinha de menos de dois anos de ser atropelada 3 vezes e mais não sei quantas de ser arremessada da cama-elástica ou de se arrebentar tentando descer do brinquedo se equilibrando nas costas de uma cadeira. Enquanto isso, "mamãe" ria pra caramba já na décima-quinta lata de cerveja (décima quinta não é modo de falar).

    Ou... melhor eu parar por aqui, senão vai ficar pior que texto contra o PT.

    Dia da família resolve? Acho que ameniza um pouco, mas não resolve não. O problema destas datas é que elas nos obrigam a ver de frente um problema, que procuramos varrer para baixo do tapete.

    Meu dia das mães foi muito legal. Graças a Deus tenho um marido e uma filha amorosos.

    Mas, por uma questão de caridade, tive que dar aquele telefonema hipócrita para a mulher que me pôs no mundo.

    Então, acho que a mensagem que fica nestes casos bizarros é: você não quer ter que abrir mão de parte de sua vida para criar outro alguém? Use um dos vários métodos contraceptivos e vá ser feliz.

    Se bem que a mãe da colega da Larissa que não foi à apresentação não engravidou... A menina é adotada.

    Dá para entender?

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    Respostas
    1. É, Larinha, não dá!

      Infelizmente a maior parte das mulheres pode ser mãe. Deveria haver uma espécie de esterilizador natural para mulheres desnaturadas. Muitas delas têm filhos por ser relapsas e relapsas seguem pela vida... O filho, uma pedra no caminho.

      Lá no caratê dos meninos tem um garoto que só vai com a babá há anos. A mãe ou o pai nunca deram as caras... O menino é mega apegado à babá, evidentemente. Só que ele está com 8.9 anos e continua com a babá, vê se pode?

      Os meninos frequentam o caratê há mais de 5 anos... Fico imaginando que tipo de mãe é essa. A mãe que não mudou em nada a sua vida e terceirizou a maternidade.

      Complicado demais.

      Beijos e vamos sobrevivendo...

      Lulupisces.

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  2. Adorei! e multipliquei no FB, espero que não se incomode,
    abreijos,

    Guti.

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  3. Adorei!!!! Ser mãe é uma aventura de alto risco mesmo!
    Tudo isso reflete a dificuldade de "aprender" a ser mãe para cada filho em sua singularidade! Lembra daquela frase: "criou os dois igualzinho, não sei o que deu errado "???
    Exatamente isso! Viver mãe, vale lembrar, é conhecer o que cada um precisa e preparar uma educação que julgue adequada para cada filho.
    Qual a sua necessidade filho? Precisa de atenção? Aconteceu algo na escola?
    Sente muito a falta do pai?
    Todos os dias tento entender e me aproximar daquela que é minha bebezinha querida! A loirinha emburradinha mais linda do mundo!!
    Aprendendo a ser mãe a cada dia!

    Beijos, Lú!!

    Anna Gabriella

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  4. Adorei!! Sim, para mim é bem isso, ser mãe sem mãe, questão avassaladora,

    Bjos,

    Maria Heloísa

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