Quando todo metal é ouro





No primeiro sonho, ela estava ensimesmada no canto escuro, sentada no sofá da antiga sala apertada de TV. Era uma observadora silente do que acontecia ao redor. E o ao redor era indistinguível, borrão. Ficou a imagem estática dela, sombria senhora, recostada com as pernas por cima do assento como se posasse para o artista plástico exigente. 

O impacto da cena não me abandona. Severa, indecifrável e sem conexão com a personalidade quase sempre luminosa, a senhora permaneceu durante os intermináveis minutos, talvez segundos, daquela viagem onírica. 

No segundo encontro inconsciente e consecutivo, a senhora decidiu participar da cena. Preparativos para o casamento de um dentre as dezenas de sobrinhos. Corre-corre, quarto simples de uma casa simplória tirada da cartola. A senhora e duas de suas filhas: a mais velha e a mais nova, fechando um ciclo, juntando as pontas. No alvoroço, as formigas que infestavam o chão carregam para o esconderijo, uma a uma, as bijuterias da caçula. “Ei, elas estão levando os meus brincos!” 

O foco muda e faz um zoom nas formigas e nos ornamentos humanos sobre os ombros delas. Vários pares surrupiados ordenadamente até um buraco na parede. A senhora não toma conhecimento, a irmã mais velha não toma conhecimento, apressadas que estão para a cerimônia que se aproxima. “Mamãe, você tem um brinco dourado para me emprestar?” A senhora sorri, agora relaxada, decifrável e completamente conectada com a personalidade solar e leve que sempre esteve acoplada à existência dela. 

Uma ovação à ayahuasca, heroína, vodca, mescalina, ópio, rivotril, marijuana, LSD e lança-perfume da minha cabeceira: pilulazinhas ayurvédicas e antroposóficas que me levam para um espaço-tempo de Marc Chagall; matando saudades das gentes de cá e de lá do mistério. 

Sonhar é a pedra filosofal dos insones! 

Comentários

  1. hihihi adorei, até eu vou querer provar deste LSD, para que eu possa ter sonhos deste quilate...minha netinha Dora toma uma medicação ayurveda pro coração que visilvelmente mexeu em muitos padrões de comportamento, imediatamente percebido pelo meu filho e nora...de repente ela não quis comer mais nada que não viesse da terra, ou seja nada animal e ainda, como ocorreu na passagem de
    ano, ela só queria meditar no som Aum...muito louco, e mais uma vez eu e o próprio avõ, somos os traficantes...Namastê!
    Cynthia

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  2. Esse aí eu não "tindi"nada... Mas acho que nem era para... kkk O da Lei de Murphy achei o máximo.
    P.S.: só os seus textos para me darem um novo ânimo, depois de uma dura audiência, envolvendo morte, tristeza, lágrimas de familiares que perderam um ente querido por poucos reais, estresse em prender testemunha mentirosa, enfim... dinâmica de uma Vara Criminal.

    Bjs pra você!

    Ana Claudia

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  3. Nossa, anda inspirada nos títulos! Você escreve maravilhosamente e é muito hábil com títulos, um componente muito importante do texto! É a síntese, e quando é inteligente, acaba enriquecendo o texto retroativamente!!!
    Eu sou total sem imaginação para título, meu único clássico é o Bolo de Noiva, da Fada!

    Beijos foliões
    AC
    Boa sexta13, uuuuuuu!
    Beijos
    AC

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