Tapete vermelho


“Filmes são eles e a sua circunstância.
Faz papel de ingênuo quem pensar que
neste mundo conta apenas o mérito artístico.”
(Ortega y Gasset)


Fui uma cinéfila boa parte da vida. Não perdia os lançamentos, frequentava as salas da cidade, principalmente os cineclubes, religiosamente, semanalmente. Tinha um caderninho (talvez ainda esteja perdido nos guardados e eu volte a encontrá-lo) no qual anotava minhas impressões sobre os filmes e fazia minha própria cotação em estrelas. Reescrevia passagens dos diálogos ou de locuções que me encantavam. Acho que o meu lado escritora ainda não havia aflorado. Sem dúvida um grande passatempo.

Faz bastante tempo que abandonei esses hábitos bacanas. Filhos, TV a cabo, preços exorbitantes dos ingressos, a queda dos cinemas de rua, das salas de exibição de filmes fora do circuitão… Nunca gostei de shoppings para nada, inclusive para ir ao cinema.

Mas às vezes ainda saio da inércia para curtir uma telona, que tem o seu valor inestimável. As condições físicas da pessoa aqui já não são as mesmas e os longa metragens levaram a sério a sua definição: duração extrema. Quem aguenta ficar três horas sentadas desconfortavelmente, dividindo braço de poltrona e barulho de baldão de pipocas com estranhos, sem a inevitável vontade de fazer xixi?

Eu já me programo e não bebo água, coisa e tal, mas após duas hora e meia, segurando a bexiga a ponto de romper, você precisa fazer contorcionismo, deixar a fileira, pedir alguns desculpe-me e, se desequilibrar esbarrando em alguma perna alheia para se aprumar com a mão na coxa de um cara qualquer (ainda bem que estamos no escuro do cinema quando ninguém nos vê, né, Belchior?).

Assim foi dias atrás quando acompanhei os três mosqueteiros lá de casa para ver Duna 2. Sem contar que você aguarda, aguarda, aguarda qual será o melhor momento para sair às pressas rumo ao banheiro. Sempre naquela dúvida se vai perder os dez minutos cruciais do filme ou ser atacada por um serial killer na cabine do toalete desabitado.

Voltando à safra desse ano, consegui assistir a alguns antes da cerimônia do Oscar, algo que não acontecia há muito. Então foi divertido conferir o tapete vermelho. Para mim, o melhor dos filmes é “Anatomia de uma queda”. Tenso do começo ao fim, sem deixar a peteca cair. E te leva a refletir e a debater inúmeras questões.

“Pobres Criaturas” é bacana, enche os olhos, mas perdeu muito nos 15 minutos finais. Um anticlímax da cena do casamento pra frente. Termina sem sal. “Oppenheimer” é um bom filme. São três horas e não é chato. Difícil desbancar algo tão americanófilo como ele na noite de ontem.

Fiquei com dó do Scorsese porque a produção dele poderia ter levado alguma coisa, já tá velhinho, mas não vi “Assassinato na Rua das Flores”, outro filme gigante com temática que não me apetece mais.

E a cara de cu do Robert DeNiro quando o Al Pacino (gagá que só) chegou para apresentar o Oscar de melhor filme?

A melhor música da noite não foi premiada. “I´m just Ken” ao vivo ficou demais. “Os homens preferem o loiro”, releitura do clássico com a Marilyn Monroe: "Diamonds are a girl’s best friend”. Falando nisso, eu gostei de “Barbie”, porém não a ponto de achar que ele deveria levar algum prêmio importante.

Adorei rever Sally Fields e Jessica Lange no palco, assim como Nicholas Cage, Ben Kingsley e Tim Robbins. A ideia ficou interessante: chamar premiados de outras edições para rasgar a seda dos indicados da vez.

O mais legal de verdade foi apreciar uma cerimônia começando mais cedo e terminando num horário razoável do domingo. A velhinha ainda não aposentada e com a bexiga baixa espera que a inovação venha para ficar.

Comentários

  1. Hahahahahaha! A melhor parte: "a cara de cu do De Niro"
    Amo filmes tb Lu!😍
    Me preparando pra ver Duna 2.

    Maria de Fátima Venceslau

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  2. Amo seus textos! Encaixam com meu eu! 🥰

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  3. Adoro cinema tb, porém agora onde moro fica mais difícil me deslocar prum cinema😢local físico mesmo…adorei Openheimer, esses outros ainda não vi, quando chegarem nos meus streamings , ok, irei conferir!!
    Cynthia 🙏😘

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  4. Lulas, só agora conhecendo seu hábito de anotações.
    Passei a andar com caderninho só depois que passei a pensar em roteiros’

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