Copo meio vazio

Quando a água já passa do queixo e a atração da escuridão parece vencer a luta de braço com a luminosidade, eis o momento que é preciso decidir rapidamente.

Lê no atual romance de cabeceira, que o coração meio vazio é a "essência do vício". O que se faz com esse sentimento que está entranhado em cada célula? Uma transfusão completa de sangue? Reencarnação?

Escreve como se entornasse um litro de bourbon em minutos.

Como se desintegrasse a pedra de crack.

Não experimenta euforia ou passamento.

As palavras não dão nenhum sossego.

O mundo natural provê alívios regulares imprescindíveis e você quer sempre mais e mais.

Inadaptados existenciais são viciados de uma ordem excruciante.

Alguns desistem. Outros seguem buscando a cura inexistente.

A tábua de salvação está sempre na próxima folha em branco.

Arritmia 

Nem óbvia

tampouco over.

Calor dos trópicos

mosquitos,

malditos mosquitos

de todos os tipos

doenças exóticas

corrupção costumeira.

Literatura gay tá on

heteronormatividade tá off

(o repelente off sumiu do armário)

“Caramba, você escreve profundo!”

Só conto o que sai de dentro

o coração plof, plof, plof

bate oleaginoso.

Galocha que atola em sete palmos de lama.

Plof, plof, plof, denso, toc, toc, off, on

onomatopoese

épico.

Não ritma em versos leves.

Temor

Rezo o terço

jogo os búzios

escolho uma carta

aposto na roleta

leio a borra do café diariamente

antes das 8

não mais que às 14.

O tarô pouco conheço

[contudo desvelado

pois tá 

a crença e o temor

que nada destas mandingas

folha de louro na carteira

óleos essenciais no travesseiro

anjo da guarda no carro

santas na estante

tragam a fortuna de escapar

do destino

a bafejar sua voz rouca

nos meus ouvidos trágicos.