Pelo sim, pelo não


Vizinhos rendem boas e más histórias da existência em sociedade. Jamais uma convivência tão próxima passa por nós em vão. Tem gente que encontra com o vizinho mais do que com os próprios parentes. É ou não é?

Da minha parte, não tenho grandes traumas das vizinhanças de ontem ou de hoje. Sinto saudades de algumas pessoas que compartilharam comigo o mesmo elevador, a mesma garagem ou o mesmo bloco geminado de casas (salve, salve, dona Maria Inez e os amigos Toninho, Cláudio, Clari e Taísa).

Nossos queridos ex-vizinhos do apto 205, por exemplo. Sobre eles escrevi sobre o amor de um casal que pode ser, sim, romântico na longevidade do relacionamento.

O texto, passado por debaixo da porta, tornou-nos amigos. Ainda me pego a ouvir os latidos felizes do Zeca no pilotis e recordo a tensão que sofremos, Anne e eu, quando o danadinho do Lulu da Pomerânia resolveu tirar onda com o pitbull do prédio ao lado.

Taí, desse vizinho eu não gosto. Outro dia, estava concentrada nas abdominais "embaixo do bloco” - legítima brasiliense que sou - e essa fera teve de ser contida para não me atacar pelo tutor musculoso e careca (o típico estereótipo de quem precisa de um carro, de uma arma ou de cão agressivo para confirmar sua masculinidade tóxica).

Voltemos às lembranças tranquilas. Recordo carinhosamente de dona Laura, a primeira vizinha predial que tivemos, no primeiro apê que habitamos juntos, Bernardo e eu, em Sampa. Ela nos adotou e nós a ela, um jovem casal do planalto central e uma viúva solitária sem filhos. Combinação perfeita para as vivências deslumbrantes, porém assustadoras de uma metrópole.

Não era raro sermos convidados para um chá da tarde ou recebermos alguma marmitinha. Dona Laura deve ter se encontrado com o maridão no andar-além, espero que esteja reconfortada. Ela merece.

Outro vizinho que virou crônica foi a família de diplomatas quenianos do sexto andar. Nos surpreendiam com quitutes saborosos e engordativos do país-natal. Eram um verdadeiro clã de número indefinido, quase uma etnia inteira. O elevador trabalhava freneticamente subindo e baixando o dia todo. Amina, uma das filhas adolescentes, esculpida em ébano e emoldura por véus laranjas e amarelos, era um encanto com seu inglês africano. Eles se foram e a gente ficou menos diverso. Atualmente, no mesmo apartamento, mora um antipático casal de diplomatas asiáticos. Mal o avistamos e nunca nos deram um olá.

O “vovô” Laerte e a esposa, dona Sônia foram nossos vizinhos de porta educados e afáveis por vários anos, graças ao bom Deus. Meus filhos pequenos, sem a sorte da presença de avôs reais, adoravam as palhaçadas do Sr. Laerte. Gesticulador, efusivo e inquieto, o engenheiro aposentado não perdia a oportunidade de escapar das quatro paredes para conversar com os porteiros e com quem mais encontrasse pela frente.

Infelizmente, o Alzheimer levou vovô Laerte. Dona Sônia resistiu por algum tempo, mas acabou se mudando para a casa de uma das filhas. Vieram Bruno, a filhotinha Nicole e a esposa, que de tão ensimesmada, não recordo o nome. A pandemia não ajudou a estreitar os laços, é verdade.

Também se foram e ficamos naquela expectativa ansiosa pelos futuros moradores. Aportaram um casal com os filhos jovens adultos + um enorme cão branco, o Dru. Frida ressentiu- se por perder a exclusividade de território no terceiro andar. Não dá nenhuma chance de aproximação ao pobre Akita. Rosna e foge amedrontada, como se topasse com um fantasma.

Falando neles, não é que a nova vizinha me dá essa intrigante nova?

Você tem religião? (ih, não vai me dizer que pretende me catequizar, pensei, entre uma abdominal e outra no chão do pilotis).

Não sei se você acredita ou não, mas eu sou espírita e preciso avisar que sempre vejo um vulto na planta que você tem na porta dos fundos.

Sério? Caramba! (cada uma que me acontece).

Mas não se preocupe porque acho que é um espírito bom. Se fosse ruim, jamais pegaria o elevador de serviço de novo.

Que alívio! Será minha mãe? Foi ela quem plantou esse vaso para mim. Será que não gostou de ficar do lado de fora do apartamento?

Pelo sim, pelo não, fale com a planta todos os dias.

Já fazia isso quando ia regá-la e podá-la, todavia, achei melhor reforçar com bom-dia, mamãe! Boa-tarde, mamãe! Bons sonhos, mamãe!

Pelo sim e pelo não, espero que o tal espírito guardião não fique ofendido em ser confundido com dona Maria, uma alma levinha em folha, um verdadeiro broto!

 


Comentários

  1. Delicioso o texto! Um abraço para dona Maria :)

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  2. Ela não era evangélica e eu sou Lu. Que 10. Excelentes essas experiências de encontro, vida, esperança que Deus pôs em nós. Obrigado.

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  3. Lu, que delícia de texto!!! Leve, divertido e saudosista. Me fez viajar no tempo recordando os meus vizinhos... Foi um dos textos mais gostosos seus que já li. Só perdeu para o de Goiás Velho rsrsrsrsrs A foto está maravilhosa também. Agora não sei se ficaria com mais medo de subir pelo elevador de serviço ou de topar com a planta no corredor rsrsr mas pensando bem, o "medo" seria da vizinha nova com visão do além rsrsrsrs Bom demais minha amiga! Bjossss e boa malhação no pilotis. Preciso me inspirar em vc e mandar ver lá embaixo do prédio.

    Mônica Torreão

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  4. Vizinhos… certamente dariam um livro … adorei a parte da planta… rs

    Sebastião Reis

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  5. Gostei do texto. Parabéns!

    Luis

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  6. KKKK!
    Vizinhos e vizinhos...

    Karoline Simões

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  7. Adorei, Lu! Pelo sim, pelo não, não custa bater um papinho com a planta!

    Tania Benn

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  8. Que bacana! Um texto temperado com nostalgia.
    (Nostalgia é bom como tempero; não como prato principal.)
    Apesar de ter morado em, pasme, duas casas, lembro de muitos vizinhos tbm.
    A maior parte com carinho hehehe

    Arthur Lima

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  9. Gostei! Vou compartilhar!

    Ana Claudia Loiola

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  10. Confesso que adoro parar os afazeres para me divertir com seus deliciosos e surpreendentes textos, Lu!
    Um carinhoso olá, para o ser discreto e que gosta de plantinhas! 🍀

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