A força do vínculo (ou a fotonovela de um HC)



Há alguns anos não acompanhava uma sessão de julgamentos do STJ. Todavia, se a História está sendo escrita perto de você, convém participar. Cheguei 20 minutos antes do início dos trabalhos na Quinta Turma, mas a sala já se encontrava apinhada. Convenhamos, não poderia ter sido de outro modo: ali seria decidido um pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente da República e atual candidato à canonização: Luís Inácio Lula da Silva. 




No caminho para a sessão, a horda de jornalistas aguardava com aquele frisson típico dos colegas. A parafernália de laptops, teleobjetivas e smartphones tomava conta do ambiente. Dentro da sala de julgamentos, não era muito diferente. Lotação esgotada. Porém, o segurança me deixou entrar e pegar a última poltrona vaga. Ser servidora da Casa tem de ter alguma vantagem nessas horas de espetáculo.


Do meu lado esquerdo, um repórter-bebê do Correio Braziliense. À direita, um repórter que devia ter a minha idade e que descobri vir a ser português, quando lá pelas tantas me perguntou se o ministro Reynaldo Soares era o presidente da Turma. 

Falando neles, os cinco tomaram seus assentos logo depois das 13h. O furor de flashes disparando invadiu o recinto. Lembrei de outros julgamentos históricos que tive o privilégio de acompanhar, mas, naquele tempo, não podia vacilar. A matéria teria de sair perfeita logo depois da decisão. 




Ontem não. Apenas flutuei no mar de jornalistas da tal famigerada mídia, desfrutando das fisionomias tensas aliadas aos bocejos tediosos que só a linguagem jurídica provoca nos coleguinhas pouco familiarizados com os rituais fleumáticos e desnecessários do Judiciário. 

Aos poucos, aquelas expressões tão típicas da década de cobertura de julgamentos que me tornou quase uma jurista, iam saltando da gaveta da protomemória. Ementa bastante acentuada; extraiu-se dos autos; corrupção passiva; vantagens indevidas; lavagem de dinheiro, ocultação e dissimulação. O ministro-relator, Félix Fisher, lia - mo-no-cor-di-ca-men-te - seu relatório. Não pude deixar de notar que o catarinense segue imenso de gordo como já era nos tempos que passei três tardes por semana rodeada por advogados, revezando-me entre as seis salas asfixiantes de maneirismos arquitetônicos e legais. 

Os dedos sôfregos dos repórteres atacavam os teclados de seus notebooks, criando uma trilha sonora de redação de jornal. Chega o momento da sustentação oral do ex-presidente do STF e advogado de defesa de Lula, Sepúlveda Pertence. O cara é uma instituição, sem dúvida. Sem falar nesse sobrenome que, por si só, já mete um medo danado. A reverência à sua figura ainda altiva, apesar de alquebrada pela idade avançada, é evidente por parte de todos os advogados e ministros presentes. 

De qualquer sorte, ele não teve sorte. Cutucou os representantes da grande imprensa na galeria (todos os rostos tarimbados da GloboNews faziam parte da plateia ávida por sangue, por que não?), evocando a tese da “intensa e falaciosa pressão dos órgãos de mídia, que provocaram um verdadeiro cerco” ao seu cliente e aos magistrados responsáveis por julgá-lo. E pediu que os ministros concedessem o HC baseando-se na presunção de inocência que protege qualquer cidadão, seja ele presidente da República ou não. 

Mas o representante do MP, Francisco Sanseverino, foi enfático: “A execução provisória da pena é admitida em grau recursal, de acordo com o entendimento da maioria (6x5) do STF. Claro que a prisão de um ex-presidente da República não deixa de trazer certos traumas, mas crimes de colarinho branco podem causar mais danos à sociedade do que crimes de rua”, pontuou. 

Eu achei que o subprocurador bateu um bolão. Foi a melhor ponderação da tarde, me fazendo recordar do brilhante e inesquecível voto do ministro Milton Luiz Pereira, quando afastou o então prefeito Celso Pitta do cargo na cidade de São Paulo, ressaltando que era mais importante salvaguardar o direito coletivo do que o direito individual no trato da coisa pública. Perfeito. "Diga adeus, mamãe!", prefeito! 

A expressão “saudoso ministro Teori Zavaski” foi citada inúmeras vezes por mais de um dos integrantes da Quinta Turma. Me fez pensar que tudo teria sido mais interessante se ele estivesse vivo à frente dos julgamentos sobre a Lava-Jato no STF. 

O ministro Jorge Mussi não perdeu a chance de querer aparecer e começou seu voto com ares de palanque: “ Me reservou o destino participar do julgamento de HC de um ex-presidente da República”. Mas o que parecia ser um voto divertido se transformou num aborrecido desfiar de jargões jurídicos eternos. Exagerou na verborragia e matou todos os pares (dele e meus) de raiva e sono. Ao menos do meu lado havia o repórter-bebê, simpático e tão juvenil! Ficava me perguntando coisas para a matéria que escrevia enquanto tirava sarro da hermenêutica dos senhores magistrados. 

Por fim, vi e ouvi pela primeira vez a voz de três ministros que “não eram do meu tempo”, observação que só demonstra que preciso me aposentar o quanto antes (da reforma da Previdência). 

Por sinal, o timbre do presidente da Turma, Reynaldo Soares, me soou bastante enjoado e afetado. Que bom que não preciso mais dispender tardes inteiras ouvindo ministros que se acham com seus palavrórios empolados! Mas devo reconhecer a força vinculante dos julgamentos pretéritos na formação da minha trajetória de vida. Concedo, portanto, a ordem para conferir futuras decisões judiciais, se assim me aprouver.

Declaro encerrada a sessão.



Comentários

  1. Muito bom! Mesmo quem nunca foi a uma sessão pode sentir o clima.

    Walton

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  2. Muito bom!

    Marisa Brasiliense

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  3. Esse não assisti, minha vida está mais corrida, gostei da informações bjcas,

    Renata Assumpção

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  4. Adorei, Lú!

    Chiristiano Emery

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  5. Correndo o risco de parecer fútil, alienado e banal (e de ser linchado por isso), pergunto: a Andreia Sadi estava lá? Ela tem cheiro de lavanda?

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  6. hahaha... Melhor cobertura. Vamos lotar você na Coordenadoria de Fofocas e Tiradas.
    Monsieur.

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