Alzheimer intelectual




Andrea Mantegna, The Lamentation over the Dead Christ


A elasticidade da mente humana é deslumbrante na mesma proporção em que a sua limitação é tenebrosa. 

Segunda aula de "As grandes obras da História da Arte". A tensão se instala antes da classe começar, do lado de fora. Professor e uma das alunas batem boca. Será que estou fadada a ver gente criando cabelo em ovo nos EUA e no Brasil? O Alzheimer intelectual está se espalhando mais do que a peste bubônica na Idade Média. Helllp!!!

A questão é que o professor, muito bom por sinal, está, desde a primeira aula, tentando fazer uma linha do tempo artístico, englobando os primórdios, como as pinturas rupestres encontradas na caverna de Chauvet (França). Entretanto, uma parte considerável da turma não vê como "grande" esse tipo de representação artística e outras mais que ele segue debatendo na sala de aula.

A discussão volta a ficar feia quando John Coppola exibe umas iluminuras maravilhosas da época do surgimento dos monastérios na Europa. Os patrulhadores/censuradores de plantão voltam à carga: "não estamos entendendo o porquê de "perder tempo" com essas imagens. Estamos aqui para ver "grandes obras" como da Vinci, Rembrandt, Picasso, Vermeer (a aluna que bateu boca com o teacher fora da sala é obcecada com Vermeer). 

De saco cheio, o professor lasca "Moça com brinco de pérola" no telão e começa a falar mais do mesmo, o óbvio.

Revoltada com a brusca guinada à estupidez da aula, resolvo intervir. Pensem que não foi fácil para mim levantar o dedo numa classe repleta de americanos muito mais experientes, maduros e bem formados do que eu. Afinal, sou a única cucaracha na sala de aula. Uma completa E.T.

Pedi desculpa pelo meu inglês deficiente, mas disse que estava bastante chocada com a imposição de alguns alunos que não estavam ali para abrir a cabeça, mas, sim, para referendar suas próprias referências do que seria grande arte ou não. Resumindo, muitos ali não queriam sair de sua zona de conforto, apenas manter o status quo; algo completamente diverso do objetivo da Arte em si.

O professor, claro, quase me pegou no colo. A outra metade da sala concordou comigo (uma das senhoras veio no final da aula me agradecer pela intervenção). Mas o que mais me deixou contente foi a declaração de uma senhora depois que Coppola comparou uma pintura sobre a crucificação do artista Cimabue, com uma de mesmo tema de Velázquez. Ela afirmou: "porque não tenho conhecimento quase algum sobre Arte é que só considero bonito, só me atrai aquela obra que está mais próxima de mim, da minha realidade. Preciso, portanto, aprender muito mais sobre o assunto".

Emocionante quando a cabeça se abre ao invés de se tornar ainda mais obtusa. Que lição tivemos hoje nessa aula! Qualquer semelhança com o que ocorre no Brasil não é mera coincidência: é sinal de que é preciso entender que uma das utilidades da Arte é tirar a pessoa de medianidade ou da mediocridade natural. É bagunçar o coração ou, às vezes, embrulhar o estômago.

Se não é pra você, tudo bem. Mas vai ser para alguém. E o mundo é bem mais vasto do que o seu próprio umbigo, pode acreditar!


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