Lampejos





Lugares íntimos da gente em determinadas fases da vida parecem sonhos quando revistos depois de um tempo. Assim estava eu a mirar de um lado para o outro no campus da UnB dias atrás. Como se nada daquilo fosse parte do que eu vivi por quatro intensos anos de juventude. Como se sonhar não fosse exatamente esse reviver de memórias fragmentadas. 

Era um quadro de Monet aquela moça solitária sentada na relva verde. Outra, encostada numa pilastra da faculdade de Medicina, posava de modelo-vivo, clamando para ser emoldurada. 

Ao virar a cabeça para esquerda, uma fila indiana de estudantes fazia alguma atividade jocosa, como se crianças ainda fossem. Morriam de rir e eu morri de rir em pensamento, curiosa e ansiosa para ter tempo de parar meu carro e ir até lá. 

Ah, tempo é tudo o que a gente tem e acha que não tem quando estamos na universidade. Toda a vida pela frente, casa, comida e roupa lavada sob a supervisão dos pais. Que delícia é ter a liberdade de um adulto e falta de responsabilidade de um guri. Mistura ideal para exercer a rebeldia... Para entrar de cabeça em experiências malucas, curtindo cada metro quadrado do Minhocão em papos-cabeça ou em flertes aos borbotões. Emaranhado de projetos pela frente!

Nesse enevoado onírico, quase atropelo a moça que se lançou sobre a faixa para pedestres. Tem cabelos loiros, saia longa, cintão. Roupa de engajada da Antropologia, Psicologia, Sociologia, Comunicação... Ou hoje não tem dessa? Vai me dizer que a galera do Olimpo não está de terno e gravata desde o primeiro semestre, pra mostrar o quanto advogar é preciso? 

Aquela paz de campus, com tanta natureza azul em volta do concreto. Aquele burburinho de campus: cadernos, mochilas, grupinhos aqui e acolá em debates sociológico-existencialistas ou mesmo em rodas de marijuana. A universidade é um mundo-vasto-mundo. Onde nada parece nos cercear e tudo está à disposição. Onde os professores fumavam em sala de aula. Ou nem apareciam.

Protestos, pactos da mediocridade, trabalhos em grupo, seminários, monografias... Descolar uma sessão-vídeo na hora do rango no Anfiteatro 9 ou fazer festa no teto da Faculdade de Direito. Assistir às aulas - de gaiata - nos cursos invejados dos amigos, flanando o dia entre o desbunde e a filosofia... A frustração de nunca conseguir vaga para nas turmas de História da Arte. Amizades fugazes, amores baratos, futuros maridos, eternos laços. 

O prazer de uma universidade não se abre para todos. E não apenas porque estudar numa instituição de nível superior pública é privilégio de elite. Mas também porque alguns alunos, infelizmente, não percebem o quanto é rara a oportunidade de absorver o templo do conhecimento, o oráculo da vida que uma universidade representa. Ali é a última fronteira das utopias, dos sonhos acordados, da transformação que a gente quer ver no planeta. Depois, é cair na vida real, que nem sempre é tão materna. 

Essas coisas me passaram pela cabeça como lampejos de lucidez em dez minutos de retorno ao campus. Pude confirmar que não era delírio tudo o que experimentei e carrego comigo em cada passo do meu aprendizado desde então. O resto da tarde foi de alegre ronronar... 


Comentários

  1. que texto gostoso... mais do que relembrar, re-ver é preciso! a gente observa tantas outras coisas que nos escapavam em outros tempos... viva a UnB, que nos trouxe amizades sem-fim! beijos, Débora

    ResponderExcluir
  2. adorei o texto, Lulu. para mim foi uma sorte imensa ter voltado à UnB para rever um monte de conceitos, já que na época de estudante eu tive uma crise de vocação tão séria - e acho que isso me deu uma má vontade muito besta para todas as imensas coisas ótimas que a universidade oferecia. voltando lá, mas para trabalhar, me surpreendi com o tanto de carinho que senti pela UnB, com todos os seus problemas, desafios e oportunidades. fizemos as pazes. e graças a ela, estamos aqui, né não? benzadeus. beijim.

    Débora.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos