Ninho





A gente percebe que está envelhecendo quando: 
  • Passar a ter potes e mais potes de variados cremes anti-aging na bancada do banheiro; 
  • Não tem mais coragem de colocar certas roupas como minissaias, vestidos justos, shortinhos e biquínis de cortininha; 
  • Pensa seriamente em fazer uma plástica nos seios quando achou que jamais se renderia a essa vaidade vã; 
  • Fala putz grila e seus filhos lhe repreendem acreditando que se trata de um palavrão; 
  • O marido reluta em ir contigo ao show do Elton John porque ele vai acontecer num estádio de futebol e “ a gente não tem mais idade para isso”; 
  • O tema velhice está entre os mais debatidos no blog... 

Tenho acompanhado a curta distância o embate entre minha sogra e os filhos dela. De um lado, a senhora de 80 anos orgulhosa como o quê. A velhota precisa entender que hoje é filhote de passarinho, mas quem disse que quer abdicar do trono de provedora? Do outro, os três descendentes, preocupados e exasperados com a teimosia da mãe que não aceita uma empregada doméstica em casa; alguém que lhe faça companhia durante a noite. 

Que situação! De um lado, a mulher outrora independente, letrada, altiva, que deve abrir mão da plena autonomia, da autoconfiança, da solidez que um dia houve. Essa mulher dolorida se percebe carente, assustada, fragilizada, mas não entrega os pontos... Parar de dar ordens e receber ordens? Envelhecemos e são nossos filhos que nos colocam de castigo. Três dias sem ver a novela das nove, hein! 

Do outro, os filhos também orgulhosos, independentes, ocupados. Um cabo de guerra, o fio de alta tensão... Já chamaram a responsabilidade para si, todavia se esqueceram de que a mãe ainda acredita que tem a obrigação de provar alguma coisa a si mesma e ao mundo. O X da questão é costurar as novas lideranças do clã, não por meio de uma luta de morte, mas por uma prática de tai-chi-chuan. Guerreiros numa batalha zen...

Porém... Alguém tem alguma ideia de como ser delicado e forte ao mesmo tempo? Queira eu desvendar esse mistério, bem como meus filhos. Que eu saiba aceitar que eles me levem pela mão quando minha vida não der conta de ser só minha. Existência, irônica existência.

Por essas coincidências telúricas, que eu acredito muito que existam, recebi um texto do Carpinejar sobre tais dilemas que nos impõe a longevidade, prolongada pelas benesses da medicina e das comodidades tecnológicas. A crônica me foi repassada por uma das minhas melhores amigas, outra que atravessa situação semelhante, pois o pai está velhinho e também é osso duro de roer... 

Já conhecia as comoventes e verdadeiras palavras de Carpinejar, que aprecio deveras. Relendo “Pai de meu pai”, rememorei tudo que passei há pouco com a minha própria mãe. Ela, pequenina e frágil, devastada pelo câncer... 

Deitei ao lado de Maria no leito do hospital no dia D, na hora H e lhe disse com a gota de coragem que arranquei das entranhas em pedaços: "vá, mamãe, pode ir! A gente vai ficar bem, a gente está aqui, a gente está junto. Mamãe, estou aqui, pode descansar". E com a cabeça em seu coração, senti quando o músculo cessou de bater. Nunca imaginei que sentiria o coração da minha mãe parar de bater. Foi o momento mais terno e terrível da minha vida... 

Mas talvez fosse exatamente essa rédea que ela queria que eu segurasse. Se sentir livre de ser o líder para ser o seguidor. Abandonar a tomada de decisão. Deixar, enfim, que os filhos providenciassem a resolução dos problemas que até agora, quase quatro anos depois, ainda estão nos dando muita dor de cabeça. OK, ela já tinha feito muito mesmo. Já havia realizado maravilhas em sua viuvez, com seu pouco estudo. Encaminhou com garra e brilho seis + uma irmã. Rebentos saudáveis que pipocaram netos e bisnetos. 

Não tenho nada de sábio para revelar e nenhuma mágica para tirar da cartola sobre esse momento tão complexo da existência. Só intuo que tudo o que podemos fazer na velhice e inevitável marcha para a morte de nossos pais (e também nossa) é estar ao lado deles! E que tudo o que eles podem fazer é aceitar nossas orientações, como se filhos da gente fossem.


Comentários

  1. Potes de cremes pro rosto e pros cabelos são o que não faltam em casa, pois a tintura do cabelo e os pés de galinha me lembram a toda hora que o tempo tá passando... Mas as mulheres da família não baixam a guarda fácil não, viu? Difícil para os dois lados.
    Com certeza, a idade está na cabeça, mas quando o corpo não acompanha a cabeça é onde os problemas começam aparecer.

    Boa sorte!

    Bj.,

    Marina Caldana.

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  2. Lú querida, independência é a herança maior que temos do nosso clã. Muito difícil querer cortar as asas de quem um dia voou. Nossa bisavó era uma mulher forte do final do século XIX, que não se curvou ao nosso bisavô. Acho que toda matriarca de famílias tradicionais mineiras se portam dessa forma. Vovó foi uma matriarca em igual forma, que se foi com 100 anos lúcidas e com as rédeas em suas mãos ainda. Imagino que com Tia Paula, não será diferente, fora a teimosia, que é uma característica nossa também. Fomos todas, te digo todas porque a mulherada é em maior número, criadas para serem independentes, não só financeiramente, que isso qualquer um consegue, mas independentes de espírito. Todas temos um gênio forte, graças a Deus. Portanto, só me resta te dizer calma, muita calma. Na teimosia, nada se consegue, mas na delicadeza, tudo se consegue. Digam que estão apreensivos, que não conseguirão viver bem se ela não tiver uma pessoa para dormir, conversar, jogar baralho... Com papai foi igual. Ah tenho muito do jeito da vovó e da tia Paula... Olha, ela enfrentou vovô quando filho algum fazia isso, para buscar o sonho dela.

    Boa sorte e bjcas,

    Renata.

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    1. Quem tem de ter calma são os filhos dela, cara Renata Guedes Assumpção Queiroz! Nessa batalha do bem de vocês, mulheres difíceis, eu não entro não! KKKK!! Já tive duas mães para administrar... Minha cota está encerrada no momento. Não acho que a gente deva se fiar nessa história de eu sou assim, minha avó era asism, minha bisavó era assim. Teimosia em excesso faz mal para qualquer um. É preciso abrandar os espíritos para que todos vivam com mais tranquilidade. A gente tem de aprender a envelhecer de forma mais humilde, todos nós. Essa é a nossa tarefa diária rumo à terceira idade.

      Beijos,

      Lulupisces

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  3. Plástica nos seios pra quê? Coloque um biquini/sutiã que os sustenta e seja FELIZ! Se ame como vc é...

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  4. Lindo, Lu. Só vc mesmo p me emocionar em meio a tanta notícia ruim na internet...

    Ana Claudia

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  5. Estava pensando nisso esses dias...estamos enfrentando essa "guerra" com minha avó de 89 anos que não aceita de maneira nenhuma que precisa dos outros...enfim, rogo que eu tenha esse discernimento e não faça o mesmo com meus filhos.

    Anna Luiza

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  6. Com certeza, Lú!

    Todos temos que nos aprimorar sempre, mas sempre somos frutos do meio em que viemos , só quis te dizer como era nossa formação, não disse se era certa ou errada, ela simplesmente é, quem sou eu para dizer, tento entender os outros e me transformar no que acho que preciso, sei que muitos dos meus defeitos vieram da minha família ,forma de agir e qualidades, mas cada um tem sua história de vida , concordo com você, quem tem que ter calma são os filhos o aprendizado é deles, mas deve interferir no seu dia a dia, minha intenção foi te ajudar me desculpa se dei palpites errado, não era para te estressar, sei bem o que é cuidar de pais idosos, embora os meus não tenha dado trabalho algum, deram as preocupações de vermos eles indo embora, a despedida diária, mas acompanhei ao lado do Romeu o envelhecimento e doença dos pais dele, foi uma época muito difícil, ver e nada poder fazer.

    Renata.

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    1. Prima Renata Guedes Assumpção Queiroz,

      Claro que você não atrapalhou e nem deu palpites errados. Eu sou muito gaiata, me desculpe! As palavras escritas podem ser totalmente incompreendidas. Estava apenas te zoando!!!:) Eu adoro as suas intervenções nos meus textos. A gente troca ideias e se aproxima! Sei que a família de vocês é feita de mulheres fortes. A gente é mesmo produto do meio... Minha mãe era light, mas eu não sou. Puxei meu pai, minha madrinha, que nem parente minha era. Então estou nessa labuta para me tornar mais suave e meiga todos os dias. Lá em casa também rola um matriarcado pesado. Bernardo diz que nós até desprezamos os homens. Vê se pode? KKKK!!! Família, família, é isso aí: defeitos e qualidades. Não fique acanhada, pode escrever à vontade, viu? Beijão!

      Lulupisces.

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  7. Lu, não sei se já te falei, mas vc sabe como ninguém falar das coisas do coração, da vida, da família... Adoro seus textos c este tema (os da justiça tb são ótimos...)

    Ana Claudia.

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  8. Obrigada, Lu!

    Fabíola Rech

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  9. Poxa, txto interessantissísimo! Tudo a ver com a gente mesmo. Obrigada!

    Emanuelle Rech

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  10. Belíssimo texto. Nos faz, a todos, pensar e refletir sobre a finitude. Interessante um fato narrado, comigo e minha mãe aconteceu da mesma maneira - ela estava em coma já tinha 12h, cheguei no seu ouvido e falei exatamente as mesmas coisas narradas no texto. E a partida dela se deu em instantes...

    Graco Filho.

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