Ação de Graça

Então meu marido disse como quem não quer nada querendo tudo: “mas você vai escrever um texto sobre a Serra da Capivara, né?” Para quem é mulher de Físico, meio elogio basta. Esse pedido disfarçado no meio da conversa, talvez tenha sido o suprassumo do reconhecimento ao meu talento. Carece aproveitar! 

Mas é delicado falar de assuntos espirituais. Não quero parecer uma fanática e nem catequizar ninguém. Entretanto, conheço umas quatro pessoas que já disseram: meu próximo destino de férias será o Piauí. Não vou esconder que fico gratificada. 

Se contribuir para derrubar um mito triste: de que aquele estado pequeno e esquecido, um Goiás diminuto e tímido, não passa de cu do mundo, ganho o dia. Quem sabe, até a razão da de viver, pois se minhas palavras andam transformando corações e mentes, enfim, estarei alcançando o nível da literatura? 

Chega de encher linguiça! O Parque Nacional da Serra da Capivara, patrimônio cultural da humanidade declarado pela bendita Unesco - que salva tantos lugares bacanas no planeta da sanha estúpida dos homens de má vontade – é o nosso Grand Canyon. Para quem não sacou nada dessa comparação, acrescento: a afirmação é coisa pacas! 

Conheço o Grand Canyon. Não como gostaria, mas o suficiente para ter tido um orgasmo inesquecível. Nada havia me preparado para ver a beleza bruta em sua mais límpida imensidão. Quase tive de sair carregada da beira do abismo. O lance transcende, sabe? Cuidado, garota, tá esbarrando na espiritualidade de novo... 

O Grand Canyon é o Deus dos monumentos naturais, na modesta opinião de quem conhece alguns lugares deslumbrantes por aí. Seu filho brasileiro é a Serra da Capivara. Ou seria o Espírito Santo? Tanto faz. Herdeiro da descomunal grandeza esculpida pela ação de ventos, homens, água, esse parque encravado no sul do Piauí é puro testemunho de que a vida vale a pena. 

Mas, pra quem achar que eu tô exagerando, digamos então que a Serra da Capivara é o dedo mindinho do Grand Canyon. Todavia, que dedinho! Uma unha perfeita, vocês precisam conferir!!! É um lugar para expiar nossa pequenez mental e física. 

Alma aberta e fôlego de calango para suportar o sol rachante do Piauí não devem faltar na mochila para desvendar seus baixões profundos. Desfiladeiros nos quais viveram tigres dentes de sabre, preguiças gigantes, homens pré-históricos, tribos indígenas fugindo da colonização portuguesa, gado e histórias assombradas. E algumas dessas narrativas ainda estão por lá, ao alcance de quem tem sede de poesia.

A caminhada rasga nossas carapaças na mesma medida das fendas que guardam pinturas rupestres delicadas e comoventes. Você sente na carne a definição de holismo. Cuidado: autodescoberta e redenção podem pintar no meio das escaladas! O que me leva a concluir: Santiago de Compostela é preciso, mas Serra da Capivara também. 

Reserve no mínimo dois, três dias e se entregue ao deleite de conhecer seus ancestrais. Galera bacana, viu? Aguerrida, festeira... Tem pintura de sexo grupal, de adoração a árvores, de caçadas, de gente com seis dedos, de bichinhos simpáticos e ferozes, de partos, de dancinhas... O povo sabia o que era bom, acreditem!

Vá sem medo, sem preconceito, sem mico de clicar 200 fotos por minuto. Vá com fé porque a Natureza em sua perene mutação é a prova cabal de que o inefável existe.