Uma mulher sob a influenza

Santa providência, Batman! Será que, enfim, estou perdendo o medo de voar? A menina-gata-garota-carioca-suingue-sanguebom sentada à janela me ofereceu um serenata de amor que, com bravura, recusei (já estava com meu estoque de chocolates na bolsa, uma caixa virgem de alpinos. Afinal, toda chocóolatra que tenha a dignidade de receber tal título precisa de um arsenal de emergência nas alturas).

A gentileza da companheira de voo era a prova irrefutável de que eu iria mesmo fazer uma conexão no Rio de Janeiro, aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim. Ser simpático é da natureza dos cariocas. A esbelteza clean e descompromissada também. Daí que olhei para ela e percebi que um pôr-do-sol lindo estava me convidando do outro lado daquela janelinha pombal. Havia um céu de cinema lá fora, ao meu lado, viajando comigo e eu ali preferindo o corredor vazio. Arrisquei ficar de bobeira, me apaixonando por aquele cenário. Acabei me esquecendo de que estava a milhares de quilômetros do chão.

Com o melhor dos humores, comecei a relaxar cercada de cariocas descolados e inevitavelmente cools (pra carioca a gente até inventa plural de adjetivo em inglês). Ninguém tira este jeito leve de levar a vida desses caras. O avião não deixou de tremer, mas eu deixei de ser boba. Minhas mãos se recusaram a suar e eu pude continuar firme na caneta. Agora é assim: meu caderninho rosa vai comigo pra onde eu for. Ursinho Pooh é solução para toda vontade súbita de concretizar frases mentais.

As montanhas cariocas começaram a enfeitar a paisagem. Vejo um riozinho cobra traçando seu destino. Viajar de avião é sacal, mas hoje estou dona do meu medo e para ele digo: já foi tarde! As luzinhas da Ilha do Governador me acenam: venha! E eu mergulho em terra firme alegremente. Falei tanto das qualidades cariocas que eles não permitiram que eu partisse. Pela segunda vez, o Galeão me fez esperar. Perdi a tal conexão para Brasília e só me restou zanzar pelo saguão do aeroporto por duas horas.

Ai, ai, não gostei nada de ficar presa naquele lugar apinhado de estrangeiros. Pela primeira vez na minha vida ataquei de xenófoba. Com influenza suína rolando solta, quem é que quer saber de globalização? Melhor é estar num país na esquina do mundo e viajar só para os cafundós onde Judas machucou o dedão e não esbarra com nenhum gringo contaminado.

Todavia tive que relevar o sério risco de adoecer por causa de um espirro alemão, de uma risada escancarada vinda da Holanda ou de um “excuse me” ianque. Tudo por um bom motivo: estava no Rio. E o Rio é o Rio, ainda que estejamos no aeroporto, que é lugar inóspito e arrepiante como os shoppings. Are you insane? ?, maybe eu seja uma freak woman que se sente mais confortável no mercado municipal de Quixeramubim do que em Iguatemis.

Mas reza o ditado: “no Rio, como os cariocas”. Então abaixei a guarda, mandei a chateação passear lá onde não mora ninguém e me sentei na animada praça da alimentação. Pedi um maaaaaaaatixxx gelaaaaaado no Rei do Mate e liguei o sonar. O primeiro som captado foi o de um grupo de pagodeiros que fazia sua rodinha saltitante. Mais cidade maravilhosa, impossible.

Sem perder de vista uma tripulação de apetitosos exemplares masculinos (isso é que dá passar uma semana na companhia de um gay que olhava a bunda de todo cara que passava), flertei com as imagens mudas da novela das sete. E se pintar um galã da telinha por aqui? Pensamento mais caipira...Assim você vai dar na vista que é forasteira. Toma seu maaaaaaatixxxx, disfarça. Cadê o biscoito Globo?

Por isso é que é bom estar nestas paragens fluminenses. A gente entra logo na de curtir e pronto. O alto astral fulminante (ui, o grisalho da mesa ao lado acaba de espirrar) das terras cariocas nos abraça, desintegrando qualquer traço de saco cheio que possa existir no fato de estar num aeroporto à espera de uma lata de sardinhas que pensa que é gavião.

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