Neurotic short story

“Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia, toxoplasmose, sarampo,
esquizofrenia, úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria,
sífilis, ciúmes, asma, cleptomania...
E o corpo ainda é pouco”
(Arnaldo Antunes)

Cheguei adiantada para a aula de hidroginástica. Joguei-me numa poltroninha preta e fiquei esquadrinhando o ambiente à espera de entrar na piscina. Ao meu lado, uma senhora muito elegante, bonita, de sobrancelhas perfeitamente desenhadas puxou conversa: "você faz o quê?". Hidroginástica, respondi. "Eu faço yoga". Ah, eu também faço yoga, mas em outro lugar. Yoga é ótimo, né? "Eu não tenho coragem de entrar na piscina cheia de gente, tenho horror", ela confessou.

Achei que era o momento de mostrar para ela que a gente pode superar traumas e dei o meu testemunho edificante: Eu também tinha esta prevenção com piscina, por isso resolvi fazer hidroginástica. "O meu médico até me recomendou, mas eu já fui falando para ele “qualquer coisa, menos piscina!”. O marido de uma amiga minha pegou uma micose nos testículos, o tratamento foi longo e dolorosíssimo".

Caramba!, depois desta, comecei a olhar para a piscina meio encabulada. Mas não parou aí. A elegante senhora desfiou um sem fim de casos escabrosos envolvendo água e gente. "Eu tenho muita sensibilidade para pegar estas coisas. Na praia eu sempre pego algum fungo". O que fazia aquela senhora que nunca me viu na vida e de aparência tão distinta revelar intimidades, digamos assim, tão escatológicas? Eu hein!, como o povo é hipocondríaco. Pior, como as pessoas são solitárias. Mas continuava a olhar para a piscina cada vez mais assustada.

Não, não vou deixar a neurose me pegar novamente. Ainda hoje eu tenho um certo desconforto para entrar em piscinas com outras pessoas. Um nojo básico, sabe? Aliás, não gosto muito de água. No mar eu prefiro olhar que mergulhar. Lembro-me que praguejava a cada bat-aula de natação que minha mãe me obrigou a fazer por dois anos. Também não havia piscina aquecida naquela época, e eu congelava ao ar livre no parque aquático da ACM.

Agora sou eu quem envio meu filho para a aula de natação. Mas os tempos mudaram. E ele é um peixinho, o que acho ótimo. Não puxou à mãe na neura piscinal, que bom. E enquanto eu me perdia nestas reminiscências, a tal senhora continuava sua cantinela de doenças micóticas. "A minha dermatologista também não aconselha entrar em piscina e isso, e aquilo". E eu pensava, mas tem cloro. Mas tem sal...Não deve ser assim tão mal. Eu mesma nunca peguei nada em piscina. Uau, eu nunca tive micose! Que coisa fantástica!

Neste momento de total pânico, quando já queria sair fugindo dali, o síndico do meu prédio chega para a aula de hidroginástica. Ele passa por nós e ela comenta. "Tá vendo, as mulheres na idade desse senhor não tem controle da bexiga por causa da falta de hormônios. E hidroginástica tem muita mulher nessa idade. Para elas fazerem xixi na piscina é um pulo".

Ufa!..., o relógio enfim marcou cinco horas, e eu pude sair correndo para a minha aula. Xô, baixo-astral! Depois deste rosário de lágrimas eu precisava mesmo era fazer tibum na água e lavar a alma, cercada de velhinhas e velhinhos que um dia me acharam parecida com a Patrícia Pillar. Eu juro, eles disseram. A vida é muito risível, não acham?





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos