Não, não é o do armário

Qual Mário já não foi vítima dessa brincadeira infame? Eu mesma conheço um Mário muito amigo meu que provavelmente deve ter sido vítima do Mário, que Mário? Aquele que...atrás do armário?É, a vida às vezes é infame e o que nos resta é falar do Mário. Não o do armário, mas do Quintana. Este Mário que nasceu no dia 30 de julho de 1906, na cidadezinha de Alegrete/RS, e se transformou num dos meus poetas prediletos.

Quando soube que meu segundo filho nasceria no final de julho, torci intimamente para que ele nascesse no dia 30, o dia do meu amigo de cabeceira, do velhinho ranzinza que me dava vontade de apertar as bochechas. Rômulo nasceu no dia 27, que é o dia do motociclista, e acabo de descobrir que 31 de julho é o dia mundial do orgasmo, mas voltemos para o dia do Mário. Quem me dera lhe tirar do armário do desconhecimento que as pessoas têm da obra dele...

Mário Quintana, recebeste minha cartinha de tiete antes de virar anjo Malaquias? E vocês que zombam do nome Mário já pararam para ler as zombarias que Mário faz da vida? São brincadeiras poéticas da melhor estirpe. As imperfeições humanas não passavam em branco na elegante ironia dos poemas quintanescos. Seus sonetos sem métrica são pura singeleza azul. Um azul lírico, puro, límpido. Revelação.

Amor, morte, infância, velhice são temas recorrentes nos poemas de Mário. Casamento não, aviso aos navegantes da internet. Outro dia tive o desprazer de receber uma mensagem melosa na minha caixa de entrada creditada ao Quintana. Imagina...Mário jamais teria escrito aquelas coisas derretidas. Ainda mais sobre vida a dois, sendo ele o solteirão convicto que foi.

Mas liga não, Mário, porque tu estás acima dos spams. Tu sabes o quanto és do contra, o quanto passarinho enquanto os outros apenas passarão. Você é um imortal, mesmo sem o aval da Academia Brasileira de Letras; a vingança da boa literatura. A cor do invisível, Caderno H, Sapato Florido, Lili descobre o mundo, A Rua dos Cataventos, Porta Giratória, Pé de Pilão, Baú de Espantos, A Vaca e o Hipogrifo, Apontamentos de história sobrenatural...Só pelos títulos dos livros, sempre tão interessantes, a gente já percebe a capacidade desse escritor, cronista, tradutor e jornalista de encantar em prosa e poesia.

E você aí do armário, não perca mais tempo! Visite a Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre. Compre um livro do Quintana na livraria mais próxima. Acesse um site confiável sobre o poeta. Curta toda a filosofia contida nas lições desse gaúcho esdrúxulo-bruxo. Compreenda – a partir de hoje – que não é justo usar o nome do Mário em vão.


*(Esse texto foi publicado, originalmente, no Jornal da Manhã/São Paulo, em 28 de outubro de 1993)



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