Com Kafka, mas sem baratas

Deixamos a elegante e estranha Berlim para trás e pegamos um trem rumo à Praga, a capital da República Tcheca. Os que têm mais de 30, vez ou outra chamam o país de Tchecoslováquia. Confessem, vocês também cometem este ato falho, certo? E lá fomos nós, margeados por uma paisagem de babar, seguindo as montanhas, os vales, o rio e as cidades que mais parecem burgos totalmente preservados da Idade Média.

Uma delícia viajar de trem. Por que o Brasil abandonou suas ferrovias para transporte de passageiros? É um meio mais seguro, mais confortável e menos poluente do que ônibus. E como eu não gosto de viajar de avião, também é mais legal. Da janela lateral, apreciávamos a vista, esticávamos bem as pernas, andávamos nos corredores e curtíamos os sons das palavras em tcheco e alemão que ouvíamos ali e acolá.

Havia um grupo de adolescentes numa cabine perto da nossa que estava no maior alvoroço, uma viagem entre amigos, tocando violão e trocando risadas divertidas. Ô tempo gostoso da leveza proporcionada pela inconsciência... Mas como diria o escritor tcheco Milan Kundera, a leveza do ser é insustentável. Tem uma hora em que a gente é fisgado e, aí, já era.

Então, desembarcamos numa estação de trem nos arredores de Praga, um lugar meio suburbano que deu certo medo. Algo como sair da Avenida Paulista e aterrizar de repente em Belford Roxo. Sofremos, digamos, um ligeiro choque sócio-econômico após dez passeando pela perfeitinha Alemanha.

A República Tcheca, apesar de fazer parte da Comunidade Europeia, ainda não adotou o Euro como moeda oficial. Há muito de terceiro mundo pelo país, como aquelas pessoas gritando: “você tem hotel?” Você quer um táxi?” “Ei, troque os seus euros aqui comigo que o meu câmbio é mais vantajoso”. Qualquer semelhança com o assédio revoltante que os turistas sofrem no Pelourinho, em Salvador, não é mera coincidência.

Todavia, tiramos o susto de letra. Afinal, somos brasileiros. Conseguimos descobrir onde pegar o metrô para qual direção e em que estação descer para ficar mais perto do hotel. Nada que um bom mapa e um  bom marido que sabe olhar mapas não pudesse resolver. Se fosse eu, talvez caísse numa armadilha para turistas e acabasse como personagem do “O Albergue”.

Praça central de Praga
Praga, que feio nome para uma cidade incrivelmente bela! Melhor teria sido deixar na grafia original Praha (o H soando como os nossos dois erres). Mesmo com mendigos e bêbados pelas ruas, é a cidade colonial/gótica/medieval mais linda que já pus meus pequenos olhos em cima. Fiquei deslumbrada, fascinada.

Queria guardar aquelas fachadas, igrejas e ruas para mim, como um souvenir. Era vivenciar um conto de fadas dos irmãos Grimm. Eu comprei uma princesa marionete vestida de Idade Média, só para vocês terem uma ideia.

O Moldávia, com a Catedral de Saõ Vito ao fundo
E a catedral de São Víto? Meu Deus!! Sem nenhuma blasfêmia, meu Deus é tudo que se pode exclamar quando a gente entra naquela majestosa e gigantesca nave.

Tanto frio a gente passou em Praga...Quase tive uma crise de hipotermia, mas não conseguia me livrar da rua e de tentar captar todas as nuances da cidade velha, intocada em sua retratação do que foi a Europa nos tempos dos reis, princesas e intrigas da corte.

Em Praga, ouvi uma valsa de Strauss com a riqueza melódica real da composição e não aquela execução que a gente zoava nas festas de formatura do colégio Objetivo. Quem não dançou uma valsa tocada pelo Squema Seis, que atire a primeira pedra. Até valsa sai do óbvio na capital da República Tcheca. Só não consegui entender como é que Kafka pôde pensar em virar uma barata abjeta vivendo e criando numa cidade tão esplendorosa. Vai entender a mente tortuosa de um gênio literário...

Descendo para o metrô
Pela cidade, pegamos as escadas rolantes mais longas que já tive notícia para alcançar o metrô nas profundezas da terra. Vi cachorros passeando em carrinhos de bebê. Também vi bundas à venda, muitas bundas. Ei, peraí, eu não estou transformando isso aqui em pornoblog. Bunda é jaqueta em tcheco. Uma bunda por 1.700 coroas. Bagatela.
E para não dizer que não falei da crise econômica que assola o mundo, estranho foi reviver esses preços em coroas... Um café: 300 coroas; um sanduíche: 450 coroas... Por dois dias, voltamos ao tempo da inflação no Brasil e seus números hiperbólicos. Sensação desagradável que não queremos que se repita jamais. Por outro lado, Praga é uma experiência que merece bis. Tchau!

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