Tradição


 

“Cada mudança, cada projeto novo causa espanto:

Meu coração está espantado.”
(Clarice Lispector em Um Sopro de Vida)

 

Para quem alimenta o espírito com árvores, fica complicado chegar na hora certa aos compromissos em Brasília. Em cada estacionamento, ao longo das vias, na alça de alguma tesourinha, no meio das superquadras lá estão elas, magnânimas, perfectly splendid, apaixonantes. São os ipês que, ano após ano, seguem nos surpreendendo e nos atraindo. É impossível não ser seduzido. Registrar, portanto, carece, ou melhor, urge.


Há os que juram nunca mais tirar foto de ipê, que coisa manjada! No minuto seguinte estamos ali, parados, buscando o melhor ângulo. Aliás, é um contrassenso dizer que uma árvore pode ser óbvia. Jamais. Não há nada igual de uma floração para outra, de uma temporada para outra. O espanto é sempre inédito, o embevecimento é sempre renovado.

Ainda bem que hoje eu fiz um caminho diferente do habitual rumo ao trabalho. Repentinamente dei de cara com um bosque de ipês brancos no auge de sua alva presença para se prostrar e pedir a mão da moça em casamento.

Fui obrigada a me desviar (já estava atrasada) e entrar no estacionamento. Precisava passear um pouco abaixo daquelas copas de nuvens, ainda que o calor e a secura estivessem limitantes na manhã.

Antes de encontrar uma vaga, eis que vejo um senhor fazendo exatamente o que me levara até ali: clicando as beldades com o celular. Desci e lhe disse: vou fazer o mesmo!

- Ah, estão maravilhosas, né? E ali mais à frente tem outra lindíssima também!

Assim somos os brasilienses que aprendemos a reverenciar estas deusas que dão à luz num período de tremenda estiagem e de máximo desconforto para quem vive na capital federal. Tudo é flor e dor nos agostos/setembros de expiação dos candangos.

Olhei para a avenida L2 e percebi que os carros desaceleravam e os passageiros do lado direito abriam as janelas com os celulares em punho para captar nosso patrimônio maior de amor invernal.

É como se a gente pudesse respirar como elas, rebentando de umidade, sem dar a menor pelota para a poeira. Os ipês floridos em rosa, amarelo e branco nos dão as mãos e nos asseguram que vamos sobreviver para vibrar feito bocós nos primeiros pingos de chuva. Sim, é o que reza a tradição. Todo ano é a mesma reação, mas diferente. Só a gente entende.


Comentários

  1. o ar tá irrespirável😜mas essas belezuras faz com que nos encantemos tanto , que aí a gente até esquece que precisamos respirar!!!!🙏🥰
    Cynthia

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  2. É o um alento nessa seca fumacenta! 🥰

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  3. Amei!!! Eu também já pensei em parar de ser repetitiva com os ipês, mas não sei como. São sedutores demais, com sua explosão de pétalas-cálices. Uma árvore que renova as esperanças do dia! 💕☀️😘

    Ana Cristina Aguiar

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  4. Realmente é impossível resistir à esse encanto que nos arrebata mesmo.
    E nos obriga a parar, contemplar...
    Encher corpo e alma de uma beleza, um esplendor únicos, que nos mostram, a cada ano, que a aridez, o estresse hídrico, nesses maravilhosos ipês, provocam uma explosão estonteante de flores, de cores...
    Como a dizerem, que sempre existirá uma beleza, uma leveza, desde que no detemos a observar, ver, entrever...

    Marilena Holanda

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  5. Os ipês, Lu, são colirios para olhos dos brasilienses neste época, neste calor!

    Marisa de Assunção

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  6. Amei ! Combinam demais com Brasília 🥰🥰 o azul ao fundo deixa o contraste lindo .
    E adorei tb sobre ipês no livro Horizonte de Eventos. Gostei muito! 🥂
    Nunca pare de escrever 🥂🥂

    Karla Liparizzi

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