Babando na Babel




"eu sou do camarão ensopadinho com chuchu"


No Gabão, receita boa e popular é o bacalhau desfiado com cenoura, acompanhado por arroz branquinho e banana cozida em rodelas.

Não tinha a menor ideia de que se comia bacalhau no Gabão. Descobri ao conferir a feira cultural das embaixadas. Morar na capital do país tem dessas vantagens: é possível dar a volta ao mundo sem sair do cerrado.

Delicinha o prosaico prato típico dos gaboneses, cidadãos que falam francês, mas cultuam o bacalhau como os portugueses.

Eu me derreto fácil pelas comidinhas bestas. Bacalhau, discordarão, não é ovo. Aqui, não, mas lá no Gabão deve ser, oras. Além disso, o ovo, para mim, está no topo da cadeia alimentar.

Todavia, quem tem paladar diferenciado vai torcer o nariz para um guisado tão simplório feito a partir de um peixe tão nobre.

Humm, gostoso, né? “O melhor preparo do bacalhau ainda é a Gomes de Sá”, proferiu o marido metido a Jacquin. Entretanto, nada diminuía a minha experiência gastronômica exclamativa.

Resolvi até deixar um bocadinho da marmita para saborear com mais prazer em casa, pois a feira era a recriação da Torre de Babel: nacionalidades e línguas diversas; os cinco continentes abrigados debaixo da marquise do Museu de Arte Contemporânea de Brasília. Pensando bem, acho que não havia representantes da Antártida por lá, não. Venderiam o quê? Pinguim imperador assado? (Blasfêmia!).

Os estrangeiros, todos muito simpáticos e prestativos, mal entendiam o idioma do país-sede. Os que falavam português carregavam forte nos respectivos sotaques nativos. E o caos se potencializava ainda mais devido ao alto volume do som ambiente e ao uso de máscaras pelos mais precavidos.

A sensação era de haver adentrado um mercado público globalizado, daqueles mais autênticos e bagunçados, com barraquinhas muito próximas umas das outras, famílias inteiras bloqueando a passagem, crianças correndo entre as nossas pernas, gente comendo em pé, alguém fazendo um sorteio ao microfone.

Encantei-me com as paquistanesinhas vestidas em trajes de festa, com os tantos africanos a exibir seus turbantes coloridos e dentes branquíssimos, com o caramelo em barra da Bélgica.

A barraca da Rússia, fiz questão de evitar. Na do Vietnã, de provar novamente o rolinho na folha de arroz que comi uma única vez lá na Califórnia. Experimentei também umas mini panquecas sul-coreanas à base de feijão verde.

Gana (não havia mais espaço na gula para provar quitutes de lá) de lançar-me numa viagem transatlântica a bordo do teletransporte. Bora?

 


Comentários

  1. Bacana! Merece entrar no próximo livro.

    Márcia Romão

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  2. Topo a viagem transatlântica!

    Bianca Duqueviz

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  3. Banana, na comida, para mim, é o que há de mais acolhedor. Banana da terra.
    Perdi essa feira que nem fiquei sabendo....

    Re Osório

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  4. Vou experimentar o bacalhau!

    Ângela Sollberger

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  5. Uau! Engordei só de ler!!! Mas esse bacalhau do Gabão me pareceu bem especial.

    Cynthia Chayb

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  6. Muito bom!

    Adriano Shulc

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  7. Adorei o texto, muito legal.

    Nelson Reis

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  8. Gente, como assim?! Que delícia de texto! Não se consegue parar de ler, fui transportada para a feira e caminhei ao lado da Lu, senti cheiros, ouvi os mais variados sons e ao final, com fome, cai na real. Bora trabalhar!

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  9. Não fiquei sabendo , mas menina escritora fantástica

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  10. leitura pantagruélica!

    Valdeir Jr.

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  11. Fiquei com inveja agora. Adora essa mistura de gente. Pena a Rússia estar fazendo guerra, a comida é muito boa.

    Ana Paula

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  12. Sim!!!
    Encheu minha boca d”água! Que delícia!!!
    Beijos e saudades, Lu!

    Adriana Tullio

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  13. Que texto mais saboroso, Lu!! Temperado na dose certa de humor, com pitadas de arguta observação. Deu muita vontade de conferir o mix babélico! ;) beijos

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  14. Crescimento cultural em casa. Excelente. Parabéns.

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